Regra da Receita para desoneração da folha é ilegal

A desoneração da folha de salários, nos últimos anos, tem assumido alguma predominância no cenário tributário nacional, não somente pelas mudanças geradas, mas, infelizmente, pela complexidade do sistema e mesmo os resultados reversos, como o incremento de carga tributária.

Já desenvolvi alguns textos sobre o tema, mas, resumidamente, é importante lembrar que tal possibilidade foi internalizada na Constituição por meio da EC 42/2003, e, atualmente, prevista na Lei 12.546/2011, com as alterações subsequentes. A ideia, em suma, seria substituir a tributação sobre a folha de salários em favor da incidência pelo faturamento, de forma a estimular a aquisição de mão-de-obra, com potenciais externalidades positivas.

O eventual (in)sucesso de tal inovação normativa não é proposta do presente texto, o qual, despretensiosamente, pretende expor um aspecto relevante da recente regulamentação administrativa da matéria, exarada pela Instrução Normativa 1.436, de 30 de dezembro de 2013, que é a dificuldade quanto ao enquadramento de empresas com atividades econômicas diversas, algumas sem enquadramento na regra substitutiva.

Abrangência da desoneração
Sobre a abrangência e os múltiplos critérios de enquadramento das atividades na sistemática da desoneração, entendo que a Lei 12.546/2011 adotou a dicotomia NCM versus CNAE, unicamente. Ou seja, o parâmetro é a produção de determinado bem ou o desenvolvimento de determinada atividade econômica, respectivamente.

Muito embora a Lei 12.546/2011, em diversas oportunidades, refira-se a atividades econômicas sem menção expressa ao CNAE — mas reproduzindo fielmente sua descrição — acredito tratar-se de duas formas de apresentação de uma mesma regra — enquadramento por atividade econômica. Pouco importa se a referência legislativa foi a codificação CNAE ou seu descritivo. O intérprete deve, sempre, optar pela solução hermenêutica que assegure maior consistência e coerência ao texto legal.

Na hipótese de produção de determinado bem abrangido pela substituição, de acordo com seu NCM (Nomenclatura Comum do Mercosul), não há maiores dúvidas — somente tal produto, com o correspondente faturamento e mão-de-obra — é que será objeto da incidência alternativa, restando os demais produtos regidos pela regra geral da Lei 8.212/1991. Já na hipótese de inclusão de determinada atividade econômica, a questão tem sido, desnecessariamente, agravada por interpretações incorretas.

De acordo com o artigo 9º, parágrafo 9º da Lei 12.546/2011, na redação dada pela Lei 12.844/2013, as empresas para as quais a substituição da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento pela contribuição sobre a receita bruta estiver vinculada ao seu enquadramento no CNAE deverão considerar apenas o CNAE relativo a sua atividade principal, assim considerada aquela de maior receita auferida ou esperada.

Ao propor a lei tal sistemática abrangente, importa concluir que, em tais situações, toda a empresa é submetida à substituição da cotização sobre a folha, pouco importando o desempenho de atividades paralelas ou secundárias. Ou seja, sendo o parâmetro a atividade econômica, não há proporcionalidade na desoneração, até pela dificuldade que tal procedimento geraria.

Todavia, uma pequena dificuldade surge ao analisar a Lei 12.546/2011. Até pelas diversas alterações que sofreu, em contextos dos mais variados, em muitas situações há previsão da atividade econômica ora de acordo com sua codificação CNAE, ora pela respectiva descrição, em geral coincidente com a mesma tabela CNAE. Obviamente, tratam da mesma sistemática. Por mera atecnia do legislador ordinário, adotou-se um referencial ou outro.

A IN 1.436 perdeu a oportunidade de expressar tal conclusão. O ato começa bem, no artigo 1º, ao delimitar sua aplicação às atividades econômicas relacionadas no Anexo I ou produção de itens do Anexo II. Sem qualquer outra distinção, parece assumir a dicotomia desejada pela Lei 12.546/2011. Todavia, na sequência, expõem parâmetros que segregam as atividades econômicas, somente adotando a substituição plena naquelas referidas expressamente pelo CNAE.

Proporcionalidade da desoneração
De acordo com a IN 1.436, tanto para o Anexo I como o II, havendo o exercício de diversas atividades econômicas ou produção de bens variados, com ou sem substituição, cabe à empresa elaborar quantificação proporcional, nos termos do artigo 8º. Assim, por exemplo, tendo a empresa metade de sua atividade econômica enquadrada no Anexo I e outra não, somente a metade de sua folha seria desonerada, assim como metade de seu faturamento sofreria o acréscimo legal.

Ao que parece, de saída, a regulamentação administrativa ignora o preceito estampado no artigo 9º, parágrafo 9º da Lei 12.546/2011, ao determinar a validade para toda a empresa, na hipótese de enquadramento por atividade econômica. Todavia, o artigo 17 da IN 1.436 estabelece que o enquadramento por CNAE implica vinculação da empresa como um todo, sem qualquer proporcionalidade, mesmo com o desenvolvimento de outras atividades secundárias.

Ou seja, pretende a IN 1.436 que, nas hipóteses de previsão legislativa de atividade econômica pelo descritivo, aplique-se a proporcionalidade da desoneração. Já na hipótese de previsão legislativa da atividade por CNAE, adote-se a substituição plena. Esse regramento é, seguramente, irracional. Não faz o menor sentido, por exemplo, afirmar que o transporte aéreo de carga submetesse ao sistema proporcional pelo simples fato de a Lei 12.5436/2011 prevê-lo dessa forma, ao invés de referir-se ao CNAE 5120-2/00.

O simples fato de o legislador optar pelo detalhamento ao invés da codificação não teria o condão de propiciar tratamento diferenciado. A lógica é a mesma — desonerar determinadas atividades econômicas. A adoção de um referencial ou outro (codificação ou descrição) não vulnera o mesmo fim colimado. Ubi eadem ratio, idem jus.

Ao contrário do que possa parecer, o entendimento externado na IN 1.436 não encontra fundamento no artigo 9º, parágrafo 1º da Lei 12.546/2011, o qual, em princípio, parece admitir a incidência proporcional em atividades econômicas. Em primeiro lugar, haveria insustentável contradição com o artigo 9º, parágrafo 9º da mesma lei e, mais importante, o artigo 9º, parágrafo 1º encontrava aplicabilidade frente à redação original do artigo 8º da Lei 12.546/2011, o qual não previa atividades econômicas pela respectiva descrição, mas somente empresas fabricantes de determinados produtos classificados pela TIPI.

Esse regramento foi superado pela Lei 12.715/2012, que incluiu diversas atividades econômicas. Nessa nova realidade, a adequação do novo dispositivo expresso no artigo 8º da Lei 12.546/2011 deve ser ao preceito que lhe seja mais razoável. No caso, o artigo 9º, parágrafo 9º da Lei 12.546/2011, e não o artigo 9º, parágrafo 1º, o qual, após as mutações normativas posteriores, restringe-se à produção de bens.

Em suma, entendo que a proporcionalidade somente é válida para o Anexo II da IN 1.436, o qual traz os bens produzidos que se beneficiam da desoneração. O Anexo I, na íntegra, ao contrário do disposto na IN 1.436, deveria submeter-se à desoneração plena. A previsão atual é equivocada e ilegal.

Fonte: Conjur

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