Imunidade Tributária – Templos de qualquer culto e Maçonaria

A imunidade tributária assegurada aos templos de qualquer culto está prevista no Art. 150, VI, “b”, da CF, visa garantir a liberdade religiosa, que se trata de um direito fundamental constitucional, nos termos do Art. 5º, VI, da Carta Magna: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias“.

Partindo-se desta premissa, por certo a imunidade deve estar atrelada ao fato de existir uma entidade religiosa, não sendo correto delimitar-se qual. Ou seja, todas as religiões deveriam ser tributariamente imunes. CARRAZZA1 disserta acerca do assunto: “Evidentemente, o Estado tolera todas as religiões que não ofendem a moral, nem os bons costumes, nem, tampouco, fazem perigar a segurança nacional. Há, no entanto, uma presunção no sentido de que a religião é legitima, presunção, esta, que só cederá passo diante de prova em contrário, a ser produzida pelo Poder Público. Graças a esta inteligência, tem-se aceito que também são templos a loja maçônica, o templo positivista e o centro espírita. Mesmo cultos com poucos adeptos têm direito à imunidade.” (grifos nossos)

Conforme citação do autor acima, tradicionalmente as lojas maçônicas sempre puderam beneficiar-se da imunidade tributária prevista aos templos de qualquer culto, uma vez que estaria se alcançando o espírito da norma Constitucional. Contudo, não é o que ocorreu especificamente com relação aos templos maçons, pois recentemente tiveram este direito afastado por nosso Supremo Tribunal Federal.

O recurso extraordinário 562.351, que teve relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, fora interposto pela Loja Maçônica Grande Oriente do Sul, situada em Porto Alegre/RS, originário dos Embargos à execução fiscal, opostos em face da municipalidade com o fito de afastar cobranças de IPTU que considerava indevida, tendo sido julgado improcedente em Instancia inferior, o que foi mantido em sede de Apelação.

Os ministros julgadores, da 1ª turma do Supremo, conheceram em parte do recurso, negando-lhe provimento. A decisão foi publicada em 14/12/12.

Cumpre salientar que a recorrente, ao buscar o reconhecimento à imunidade tributária, amparava seu pleito nas alíneas “b” e “c”, do art. 150, VI, da CF. Sobre a primeira alínea, alegando o caráter religioso do grupo, que ensejaria a imunidade prevista aos templos de qualquer culto, e a segunda, por meio do reconhecimento da natureza de entidade assistencial, que também geraria o direito á imunidade.

Numa primeira análise, a imunidade prevista para entidades assistenciais, certamente não seria estendível à Loja Maçônica, por ausência de preenchimento dos requisitos legais, que constam no Art. 14 do CTN. Observe-se ainda, que embora possa existir uma política interna de cooperação mútua e de prestação assistencial aos membros que venham a necessitar, de modo algum poderá se atribuir o caráter de assistência social, dado o condão privado e particular dos atos praticados.

Retornando-se à questão da imunidade às lojas maçônicas, na configuração como templo de qualquer culto, que era exatamente o outro embasamento do recurso, em nosso entendimento, dever-se-ia, de fato, ter sido acolhida.

Neste sentido, o ministro relator a princípio busca demonstrar que Maçonaria, na acepção jurídica do termo, não seria uma religião, visto que, nas palavras do Ilustre Jurista, “nessa linha, penso que, quando a Constituição conferiu imunidade tributária aos ‘templos de qualquer culto’, este benefício fiscal está circunscrito aos cultos religiosos.” (RE 562.351 – DJE 14/12/2012 – p. 14).

Desde modo, o relator negou provimento ao recurso, tendo seu entendimento sido seguido pelos Ministros Carmen Lúcia, Dias Toffoli, e Ayres Brito.

Entretanto, passemos a nos ater ao entendimento do douto ministro Marco Aurélio, que não acompanhou aos demais, extraído trechos de seu voto: “O Supremo, embora com pontuais oscilações, tem encampado o entendimento de se conferir às imunidades interpretação ampla. Essa corrente se expressa, por exemplo, no reconhecimento da imunidade aos álbuns de figurinhas, o que ocorreu no julgamento do Recurso Extraordinário nº 221.239, da relatoria da Ministra Ellen Gracie. Vale citar, ainda, o Recurso Extraordinário nº 174.476-6/SP – relatado pelo saudoso Ministro Maurício Corrêa, cujo acórdão fui designado para redigir, no qual o Supremo estendeu a imunidade do artigo 150, inciso VI, alínea “d”, da Carta aos filmes e papéis fotográficos – e também o Recurso Extraordinário nº 325.822/SP, relator Ministro Gilmar Mendes, apreciado em 18 de dezembro de 2002, quando o Tribunal assentou que a imunidade relativa às instituições de assistência social estende-se aos imóveis alugados para terceiros, desde que a receita seja revertida à finalidade institucional. No mais, o voto do ilustre relator acaba por promover uma redução teleológica do campo de aplicação do dispositivo constitucional em comento. É dizer: revela-se ainda mais restritivo que a interpretação literal da Lei Maior.” (RE 562.351 – DJE 14/12/2012 – p. 28/29).

O ministro observa que está ocorrendo uma restrição interpretativa para aplicação da imunidade ao caso concreto, o que não deveria prevalecer, posto que, em decisões de mesma natureza, já havia a Corte decidido de forma diversa.

Verifica ainda que conceituação de religião não é algo que cabo ao Direito, mas sim outros ramos da ciência, como antropologia ou sociologia, chegando a fazer uma análise do termo literal e obtém a conclusão mais lógica, de que Maçonaria deve ser considerada como uma religião.

Ainda, no que tange ao caráter sigiloso da entidade, bem como a limitação de acesso e seus dogmas, assevera: “Sem dúvida, certas limitações ao ingresso em algumas lojas maçônicas causam perplexidade, pois possuem natureza anacrônica. Acontece que algumas religiões também estabelecem restrições sobre a vida de seus fiéis, ingerem em comportamentos públicos e privados. A ancestralidade das religiões traz consigo os preconceitos do passado, os quais não impedem o reconhecimento público de seus valores.” (RE 562.351 – DJE 14/12/2012 – p. 31).

Finalmente, vota pelo provimento do recurso, embora já estivesse previamente vencido. O ato ensejou oposição de embargos infringentes, que não foram acolhidos, tendo a ação transitada em julgado no dia 16/05/2013.

Não nos olvidemos em mencionar o parecer da Procuradoria Geral da República, que opinou pelo provimento do recurso, aduzindo que as lojas maçônicas “são verdadeiros Templos, onde se realizam rituais e cultos, sobre a proteção de Deus, o Grande Arquiteto do Universo, objetivando elevar a espiritualidade do homem, a ética, a justiça, a fraternidade e a paz universal.” (RE 562.351 – DJE 14/12/2012 – p. 07).

Conforme já exposto, o parecer da Procuradoria Geral da República e o voto do ministro Marco Aurélio não foram suficientes para o recurso fosse provido.

Tal decisão abre margem para que diversos questionamentos venham a ser levantados, tendo em vista que se o STF detém poderes para definir que uma instituição deva ser considerada como religião ou não e que isso baste para afastar-se um direito constitucional, outras denominações poderiam vir a perder a imunidade também, o que certamente abalaria a garantia à liberdade religiosa.

Reitere-se que, o cerne existencial da imunidade aos templos de qualquer culto, é assegurar o direito fundamental à liberdade de crença. Partindo-se dessa premissa, por qual razão alguns seguimentos religiosos poderiam não ser beneficiados com referida limitação ao poder de tributar? Ora, nosso Estado é laico e o indivíduo tem direito à liberdade religiosa, logo, a imunidade tributária deveria ser estendida a todas as formas de manifestação de culto.

A maçonaria, por tratar-se de uma associação historicamente de caráter secreto, a grande maioria de sua doutrina, rituais e demais detalhes somente podem ser apreciados por aqueles que a integram. Ademais, faz-se mister esclarecer que nenhuma fonte que trate do assunto poderá assegurar-se estar totalmente correta, pois, como dito, trata-se de uma entidade de cunho sigiloso.

Retomando os dizeres do ministro Marco Aurélio, quando da edição de seu voto, concordamos que não compete ao Direito conceituar religião, bem como definir se determinada instituição é ou não uma religião.

Por certo em momento algum houve a pretensão do Legislador Constituinte, estabelecer qualquer restrição do acesso do cidadão ao direito à liberdade religiosa, muito pelo contrário, visto que determinou que os templos fossem imunes tributariamente.

O receio que urge desta decisão do Supremo é de que num futuro próximo, outras entidades possam ter tal benefício Constitucional questionado e afastado, em afronta à garantia de liberdade religiosa.

1 CARRAZZA, Antonio Roque. Curso de Direito Constitucional Tributário. 9. Ed. São Paulo: Malheiros. 1997. p. 399.

Fonte: Migalhas

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