Lei anticorrupção precisa de aplicação efetiva, diz Castello Branco

Entra em vigor, em 29 de janeiro, a lei de Anticorrupção Empresarial, que visa a punir empresas brasileiras que cometerem atos de corrupção contra a administração pública no Brasil ou no exterior. Sancionada pela presidente Dilma Rousseff (PT) em agosto de 2013, entre as punições previstas está a aplicação de multas de até 20% sobre o faturamento bruto das companhias, suspensão de suas atividades, além de medidas como a proibição da obtenção de incentivos de órgãos públicos, valendo também para empresas sucessoras. A iniciativa, portanto, amplia as sanções para além das pessoas físicas – executivos ou agentes públicos – envolvidos em tais casos, estendendo-as para as pessoas jurídicas.

A nova lei, de acordo com Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, é uma oportunidade para fomentar uma cultura de prevenção à corrupção nas empresas. “Víamos, muitas vezes, a lei alcançar um funcionário público que tinha agido de forma corrupta, mas não a empresa que o havia corrompido”, lembra. Castello Branco alerta, no entanto, para a necessidade do efetivo cumprimento da Lei 12.846/2013. “Outras leis importantes ligadas ao combate à corrupção ainda não estão tendo a aplicação devida”, adverte.

Jornal do Comércio – Qual sua avaliação sobre a lei que entra em vigor no fim de janeiro? Acredita que será cumprida efetivamente?

Gil Castello Branco – Não tenho dúvida de que ela é um marco legal extremamente importante, que de fato se compara a legislações modernas que existem internacionalmente. Agora precisamos ver se essa lei será de fato aplicada. Montesquieu já dizia que “quando vou a um país, não examino se há boas leis, mas se as que lá existem são executadas, pois boas leis há por toda a parte”. E no Brasil é esse o verdadeiro dilema: existe até a crença popular de que algumas leis “pegam” e outras não. Ela é extremamente importante porque, até então, a legislação alcançava muitas vezes o funcionário público que tinha agido de forma corrupta, mas não a empresa que o havia corrompido. Nós sempre só conseguíamos abranger um lado. Era muito comum a empresa responsabilizar um de seus funcionários, afastando-o, mas a pessoa jurídica continuava absolutamente incólume. Também, em muitos casos, a empresa acaba encerrando suas atividades e criando uma filial ou sucessora, com um quadro societário semelhante, o que também será combatido com mais rigor. Agradou-me ver que esse tema já está sendo discutido, inclusive como forma de melhor classificar esses delitos, ou de criar um padrão de conduta legal em relação a eles.

JC – A nova legislação tem um texto claro no sentido de especificar o detalhamento de situações e as punições correspondentes?

Castello Branco – O assunto é complexo por natureza, mas acredito que ela procura abraçar essas possibilidades com itens como o acordo de leniência, que facilita a delação premiada, de forma que, se algum dos envolvidos na corrupção denunciar os demais, ele poderá ter uma redução da pena e, pelo lado do estado, ter a possibilidade de dissolver toda uma organização criminosa. Resta saber mesmo se nós a teremos em vigor e com uso efetivo, pois outras leis importantes ligadas ao combate à corrupção não estão tendo a aplicação devida, como a Lei Complementar 131, que obrigou todos os municípios, estados e União a terem suas contas na internet, e a 12.527, Lei de Acesso à Informação. Mas vejo que muitos municípios ou não possuem portais, ou são deficientes. É isso que buscamos: que não se fique apenas em um bom instrumento legal, mas que este tenha vigência efetiva.

JC – Em relação à cultura do combate à corrupção nas empresas, elas se preocupam ativamente em coibir esses atos?

Castello Branco – Acho que a regulamentação dessa lei pode ser um bom momento para que elas comecem a fazê-lo, até porque grande parte das empresas não tem preocupação com essa questão. Vimos isso acontecer no exterior em relação à Siemens, que, após condenações nos Estados Unidos e Europa, passou a adotar práticas anticorrupção e procedimentos mais éticos. No Brasil, por exemplo, ela delatou sua participação em situações irregulares, que já estavam sendo avaliadas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Algumas empresas estão contratando consultorias para que fiquem melhor instruídas sobre o que deve ser feito, e acho interessante que elas entendam que, se todos agirem dessa maneira, isso sairá mais barato para todos, pois vai coibir práticas, por exemplo, de órgãos públicos cobrando propinas, como no exemplo de São Paulo (caso da Máfia dos Fiscais). Se a postura das companhias for ética e saudável, elas poderão ficar mais protegidas do achaque de quadrilhas que se organizam dentro do setor público. É importante que as empresas também sejam punidas, pois, muitas vezes, elas se beneficiaram.

JC – Em relação às empresas, qual o nível de corrupção percebido?

Castello Branco – Talvez os tribunais de Contas tenham estatísticas nos planos federal e estaduais, mas acho que, de qualquer maneira, quanto maior a transparência, mais a corrupção acaba aparecendo. A transparência é a principal inimiga da corrupção. Então acredito que todos esses mecanismos fazem com que também surjam mais denúncias, até porque o melhor fiscal seria realmente a própria sociedade. Quando esses instrumentos começarem a vigir efetivamente, acho que o controle será maior e permitirá a melhoria da qualidade e da legalidade dos gastos públicos.

JC – Sobre o financiamento de campanhas eleitorais, o senhor acha que essas doações incentivam a corrupção?

Castello Branco – Com certeza. Acho que uma das principais causas, no Brasil, de a corrupção ser realimentada, é o financiamento das campanhas eleitorais. Vemos empresas doando fortunas, não por amor à democracia, mas pretendendo receber uma vantagem futura, prestando serviços ao Estado. Alguns se preocupam e perguntam: “Mas então os recursos virão de onde?” Nós temos que criar essa nova sistemática, até porque o Estado já paga muito pelas eleições. Na verdade, já há financiamento público por meio do fundo partidário, com recursos extremamente elevados usados para finalidades até discutíveis. A melhor utilização desses valores já faria com que os partidos tivessem condições, eles próprios, de tocarem suas campanhas. Além do mais, temos a isenção do horário eleitoral, que não tem nada de gratuito, pois as emissoras de TV e rádio têm isenções fiscais, que são receitas que deixam de entrar nos cofres públicos. Os partidos sabem que terão recursos de uma maneira ou de outra, o que facilita essa relação promíscua entre estes e as empresas. Elas também estão preferindo doar diretamente aos partidos, que repassam esses recursos aos candidatos, o que dificulta relacionar as organizações e seus beneficiados. Teríamos de reimaginar as eleções e reiventar o sistema de financiamento eleitoral.

JC – O Brasil está em 72º na percepção da corrupção, no ranking anual da Transparência Internacional. Como o senhor enxerga esse dado e vê o comportamento geral do País nesse quesito?

Castello Branco – Um estudo recente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) estimou que a corrupção no Brasil estaria entre R$ 50 bilhões e R$ 80 bilhões anuais, o que equivaleria entre 1,4% e 2,3% do PIB brasileiro. No mundo, o Banco Mundial fala em US$ 1 trilhão perdido em corrupção, ou seja, com um percentual equivalente. O Brasil não está, certamente, entre os países menos corruptos. Inclusive, nesse estudo, nós pioramos, pois estávamos na 69ª posição, com nota 43, e fomos para o 72º lugar, e nossa nota baixou para 42. O fato é que nós ainda somos um país altamente corrupto. Nós não “passamos de ano” nessa percepção da corrupção. Esse índice é muito importante, pois é uma oportunidade que temos de discutir a questão, também comparativamente a outros países, ao menos uma vez por ano. Precisamos levar esse índice a sério e até colocar uma meta para daqui a alguns anos, quem sabe, ultrapassarmos pelo menos essa média, que agora é de 50.

Fonte: Jornal do Comércio

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