A prática de planejamento tributário opõe dois grupos, os elaboradores e os controladores. Os primeiros viveram um regime de liberdade absoluta entre as décadas de 1980 e 1990, quando era necessário apenas acertar o balanço. Agora, entre os controladores do planejamento, o momento é de poder e autoridade, consequência da reação ao planejamento. A visão parte do pressuposto de que a prática é uma malvista “esperteza”, que gerou indignação na Receita Federal, resultando na fase atual em que “tudo é proibido”.
A análise é do advogado tributarista e professor Marco Aurélio Greco, compartilhada com os participantes do V Colóquio Internacional do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas, promovido em parceria com a Thomson Reuters e que ocorreu em São Paulo na última semana. Para Greco, a chave para a volta do diálogo é a adoção de uma relação de colaboração, com o abandono da preferência pelo confronto. No entanto, isso depende da localização de interlocutores legitimados, que facilitem acordos e reduzam a necessidade de solução judicial, segundo o professor.
De acordo com ele, o futuro do planejamento tributário passa pela responsabilidade e responsabilização pelos excessos dos dois lados, seja na configuração do planejamento tributário, seja nos erros durante a fiscalização. Para Greco, quem atua com planejamento tributário pode adotar três posições. A primeira é opinar, ou seja, “expressar o resultado do seu preparo, ciência ou conhecimento”, o que não gera responsabilidade.
A segunda posição é a recomendação de ação, um desdobramento da opinião. Nesse caso, afirmou ele, é preciso separar as recomendações com e sem interesse no resultado, já que apenas nos casos em que há interesse deve ser adotada a responsabilidade. Por fim, nos casos de co-decisão, “se a consequência atinge o contribuinte, também atinge quem deu a opinião”, disse ele. Em relação à Receita Federal, o advogado citou um precedente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que concedeu indenização por dano moral por inscrição indevida de débito em dívida ativa e determinou também a reparação do ônus causado ao contribuinte que teve de ir ao Judiciário para resolver a questão.
A visão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais sobre planejamento tributário foi o tema da palestra do tributarista Marcos Neder, ex-integrante do tribunal administrativo e atual sócio do escritório Trench, Rossi & Watanabe Advogados. Ele alegou que a questão envolve o afã do Fisco de aumentar a arrecadação e a busca do contribuinte por reduzir o volume de pagamentos. A primeira fase foi favorável a quem fazia o planejamento, com possibilidade de exploração de lacunas e a visão de que o planejamento nem sempre era ilícito, mas esse cenário foi esticado até o limite e deixou de mostrar a realidade, apontou.
A segunda fase foi marcada por uma nova estrutura jurídica, incluindo o Código Civil, a legislação societária, doutrinas revisionistas e a reestruturação dos órgãos de julgamento fazendário, afirmou Marcos Neder. Ele citou a quebra na tradição crítica do Carf e lembrou que julgadores oriundos das delegacias de julgamento da Receita Federal são mais propensos a aceitar a argumentação do Fisco. O advogado disse que a segunda fase, oposta à primeira, deve levar a um terceiro momento do Carf.
De acordo com ele, a nova etapa deve ser marcada pelo equilíbrio, mas para isso é necessária a adoção de regras mais claras de combate às estruturas abusivas. Neder destacou, entre outras mudanças necessárias para uma visão mais equilibrada do planejamento tributário, a “resposta rápida do Fisco às consultas fiscais”, reforço à imparcialidade e rapidez nos julgamentos, o diálogo com autoridades e a possibilidade de redução das penalidades aplicadas em caso de irregularidades.
Uso do Ágio
Roberto Quiroga, sócio do Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados e professor da USP e da Fundação Getúlio Vargas, também participou do evento. Ele apontou que a Receita Federal vê o ágio como um antídoto contra a tributação, pois causa redução de lucro e reduz o volume arrecadado. No entanto, segundo ele, o ágio deve ser visto como um “motivador ou indutor de processos de consolidação de mercados”, razão pela qual empresas promovem compra e venda de ações, o que ajudou a consolidar setores como o bancário, o varejista e o educacional durante as últimas décadas.
Ele pediu a adoção de regras claras sobre o ágio por parte do governo e afirmou que não é possível citar operações pagas em dinheiro, já que essa prática não ocorre mais ao redor do mundo. Em relação ao posicionamento do Carf, Quiroga apontou que não há questão fechada sobre o assunto no tribunal administrativo. Isso, segundo o advogado, é consequência da mudança de composição das turmas, fazendo com que cada colegiado tenha um entendimento diferente sobre o ágio — prática que se repete em outros assuntos. O especialista afirmou que a questão deve ser analisada pela Câmara Superior do Carf, pois casos que já tramitaram estão em fase de recursos para tal instância.
Por Gabriel Mandel.
Gabriel Mandel é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 3 de dezembro de 2013.