Vinicius Ferrasso da Silva[1]
Depois de superado o segundo capítulo, onde se averiguou os filtros constitucionais no estrangeiro, bem como a história da repercussão geral desde a arguição de relevância até o cenário atual do instituto da repercussão geral, e destacado o conceito vago do termo repercussão geral, que dá ensejo ao uso (des)conforme da discricionariedade do julgador, referenciada no leading case da contribuição do Funrural; e no terceiro capítulo, estudado as ferramentas que compõem a inteligência artificial, de modo a construir uma pré-compreensão da tecnologia, agora, no quarto capítulo, passa-se à resposta motor dessa tese: se a inserção do sistema de IA Victor, no processamento das questões de repercussão geral de matérias tributáias submetidas ao STF, dimuiria o número de processos tributários sobrestados no país?
Contudo, antes de alcançar-se a resposta perseguida, identificar-se-á os modelos de IA no Direito, assim como, o modo de construção dos sistemas de IA Victor no âmbito do STF.
Diante disso, já se sabe que os sistemas de Inteligência Artificial são capazes de compreender a fala humana, de extrair algum significado de declarações humana/s ou até mesmo de agir baseados nestas declarações: “Alexa, leia as notícias no volume 10”. Tais sistemas podem ser projetados não para se comportar de modo inteligente, mas simplesmente para dar conta de alguma função útil. Os métodos que eles usam, entretanto, são baseados no comportamento inteligente de humanos[2].
No Direito, tem-se uma farta gama de dados, e como foi visto no terceiro capítulo desta tese, isso é a fundação dos sistemas de inteligência artificial, ou melhor, a matéria-prima da IA. Sem dados não há IA, a Alexa não subsistiria. Quando tratamos da IA no Direito, a primeira visão é a gama de dados: leis, decisões, precedentes e jurisprudências que poderão eventualmente ser trabalhados para alcançar um determinado objetivo (IA específica) no Direito.
No capítulo anterior, constatou-se que a IoT foi e é dinamizada constantemente pela avalanche de dados trabalhados pelos cientistas de dados para construção algorítmica. Vivemos uma IoT em tempo real, pois, quando acordamos e consultamos o nosso smartphone, já deixamos dados que comprovam nossas preferências. Isso pode ser utilizado como analogia no Direito.[3]
Para se diminuir a complexidade, toma-se como exemplo uma pacata cidade na qual há um juiz que responda a todas as demandas das diversas áreas do Direito na sua jurisdição. Se por acaso uma startup desenvolva um software capaz de transformar em algoritmos as decisões desse julgador, os advogados que adquirem esse software possuirão vantagens comparativas em relação aos colegas que permanecerem seguindo o modus operandi tradicional das pesquisas manuais atrás das decisões desse julgador. Então, partindo do exemplo hipotético dessa pacata comarca, de que um juiz responde por todas as áreas do Direito, do ISS ao homicídio por dolo eventual, a inteligência artificial pode ser generalizada até os tribunais com um trânsito processual vultuoso. Contudo, aqui já se observa que isso ocorre somente dentro dos limites de aplicabilidade dos sistemas de IA, ou seja, tão-somente como um braço dos operadores do Direito.
O terceiro capítulo demonstrou que se pode utilizar a aprendizagem de máquinas para uma ação específica. A exemplo, pode-se direcioná-la para análise preliminar de uma execução fiscal em que a cédula de dívida ativa (CDA) deva atender a pré-requisitos específicos, ou, até mesmo, é estruturado um deep learning capaz de acelerar outras atividades meramente repetitivas; contudo, distanciando-se das atividades cognitivas do judiciário brasileiro. Essa é a contribuição atual que a IA pode oferecer ao Direito, desde reduzir o tempo de ações burocráticas e repetitivas até auxiliar na racionalização do processamento de processos.
Bem na verdade, o Poder Judiciário já se utiliza de meios tecnológicos. A tecnologia da informação (TI) já é uma ferramenta muito utilizada no Direito, que vem auxiliando o Poder Judiciário na visão de milhares de processos que ingressam na justiça brasileira anualmente. No ano de 2019, a marca foi de 19.579.314 processos distribuídos no Poder Judiciário, o que junta ao estoque processual de 62.988.042, que resulta afirmar em aproximadamente 94 milhões de processos judiciais. Segundo a Justiça em Números – 2019, um processo tramita em média 10 anos até alcançar a segunda instância, o que demanda uma mão de obra de 302.856 profissionais e um custo de 93.725.289.276 reais, o gasto com informática corresponde à 2.285.807.273.[4]
Ao se analisar a Justiça em números – 2019, tem-se uma ideia dos números vultuosos e o gargalo que o Poder Judiciário se depara, obstando uma Justiça célere e eficiente em busca das soluções de conflitos. Na última década, a tecnologia da informação era a única ferramenta a disposição do Poder Judiciário para destravar os milhares de processos em tramitação.
Ocorre que, nos últimos anos, a tecnologia da informação iniciou o processo de aproximação com a Inteligência Artificial[5]. O próprio congestionamento processual fez despertar naqueles profissionais da área da Ciência da Computação, que já cuidavam das inúmeras plataformas de processos eletrônicos no país, a necessidade de um mecanismo mais dinâmico e altruísta. Então, foi que inúmeros projetos de robôs,[6] para auxiliar primeiramente na redução do tempo de tarefas burocráticas e repetitivas nos tribunais, começaram a exsurgir.
As máquinas no Direito já realizaram algumas transformações positivas. O fato indiscutível foi a passagem dos processos físicos para eletrônico, que em meio a pandemia de coronavírus, oportunizou que a Justiça brasileira não estagnasse. Nesse sentido, pode ser afirmado que as máquinas desempenham cinco funções específicas no Direito: (i) aplicação de métodos de busca realizada pela máquina na análise de documentos jurídicos, uma espécie de descoberta legal; (ii) a tecnologia se presta à pesquisa jurídica via algoritmos que identificam os aspectos mais relevantes da doutrina e da jurisprudência; (iii) as máquinas auxiliam na geração automática de documentos via estruturação de formulários; (iv) do mesmo modo, contribuem na criação de memorandos e relatórios; (v) e, por fim, o uso da tecnologia para previsão de casos judiciais por meio da combinação de informações e a sua respectiva análise.[7]
Ocorre que a IA ainda é vista com ares de reprovação no Direito por uma parcela dos operadores do Direito, justamente pelo fato desses céticos desconhecerem os limites de aplicabilidade dos sistemas de IA no Direito. Esses céticos, ainda que se utilizem das informações da Alexa no seu café da manhã, que fogem de engarrafamentos com o Waze e que usam buscadores do Google para definição de uma palavra desconhecida, ainda acreditam que a IA não se mostra compatível com o Direito. Dentre as alegações mais sensíveis, estão a incapacidade de a IA produzir uma decisão que considere as argumentações utilizadas pelas partes no caso concreto, podendo causar imparcialidade e descriminalizações de raça, cor e etnia[8]. Além disso, eles acreditam que a IA venha a exterminar a profissão de juízes e advogados.[9]
Conforme constatado no terceiro capítulo, ambas as alegações são em parte verídicas, posto que verdadeiramente estamos em tempos de nos adaptarmos a uma tecnologia disruptiva que irá mudar o modus operandi do Direito e no Direito. Contudo, os sistemas de IA estão avançando e demonstrando a capacidade de realizar tarefas importantes, antes não imaginada, o que serve para refutar o primeiro argumento cético. Paralelamente, a Revolução 4.0 trouxe conquistas,[10] mas também exige dos operadores do Direito uma verdadeira reciclagem intelectual, uma exigência do profissional contemporâneo é a visita à Ciência da Computação, o que refuta o segundo argumento cético.[11] Assim, o operador do direito terá condições de possibilidade para vislumbrar os limites de aplicabilidade dos sistema de IA no Direito, e assim, usufruir das suas contribuições inevitáveis.
Nesse sentido, um estudo da Deloitte[12] sugere que a tecnologia já está levando a perdas de emprego no setor jurídico do Reino Unido; cerca de 114.000 empregos podem ser automatizados dentro de 20 anos. O Professor Richard Susskind, consultor de tecnologia e co-autor da obra “O Futuro das Profissões”, que analisa como a tecnologia irá transformar o trabalho de especialistas humanos,[13] prevê uma reviravolta sem precedentes em uma profissão na qual as práticas de trabalho de alguns advogados e juízes mudaram pouco desde o tempo de Charles Dickens.
Para corroborar, pode-se observar as legaltech ou lawtech, que são empresas que oferecem serviços inovadores tecnologicamente, de modo a melhorar e otimizar as atividades das práticas jurídicas.[14] Contudo, não se está afirmando aqui, inclusive essa não é a conclusão dessa tese, que a Inteligência Artificial passou a exercer uma atividade cognitiva que vai substituir o operador do Direito. Inclusive, as legaltechs atualmente são mercantilizadas por representantes comerciais que evitam demonstrar a problemática dos vieses e accountability algorítmica.
A IA, no âmbito jurídico, está sendo utilizada de inúmeras formas, funcionando como um assistente virtual da equipe de profissionais, propiciando no processo de captação de dados e na análise de documentos de diversas fontes de consulta, tais como: legislação, artigos doutrinários, jurisprudência e buscas que revelam tendências com rapidez e eficiência. Ela pode abarcar, inclusive, outras atividades jurídicas[15].
A exemplo, o maior banco dos Estados Unidos, JP Morgan, investe no desenvolvimento de novas tecnologias e já possui um “robô” baseado em uma rede particular, denominada COI (Contract Intelligence), que interpreta acordos de empréstimo comercial e analisa acordos financeiros. O JP Morgan afirma que o software COIN revê os documentos em segundos. Destaca, ainda, que o COIN está menos propenso a erros e nunca pede férias. O banco se refere ao COIN como um grande êxito já alcançado, devido ao seu auxílio na redução de erros de manutenção de empréstimos; a maioria resultante de erro humano na interpretação de 12 mil novos contratos por ano. Tudo isso possibilitado graças a investimentos em machine learning[16].
No Direito, já existem diversos projetos, sistemas e robôs. o Ross (rossintelligence.com) originou-se de uma empresa que desenvolveu advogados “robôs” que já atuam em alguns escritórios de advocacia nos Estados Unidos.[17] O advogado “robô” da Ross é capaz de compreender a linguagem natural das pessoas em questões jurídicas e responder instantaneamente de modo fundamentado.
Criado pela Universidade de Cambridge, o Luminance é uma plataforma de inteligência artificial para profissões jurídicas. A ferramenta britânica lê e compreende contratos e outros documentos jurídicos. Destaca-se que ela é poliglota. O software Luminance encontra informação e eventuais anomalias sem que seja necessário instrui-lo.[18]
No tocante, o programador Joshua Browder desenvolveu um chatbot DoNotPay. O robô é uma espécie de advogado virtual que atende no Reino Unido e em Nova Iorque sem necessidade de utilização de transporte aéreo. Ele tem por especialidade a realização de contestação de multas por estacionamento em local proibido. Por tratar-se de um processo pouco complexo, porém trabalhoso, a referida contestação dá origem a muitas demandas para o robô responder no seu chatbot. Atualmente, há cerca de 300 mil multas contestadas, com uma acurácia de 70%. O programador Joshua, devido aos bons resultados, expandiu a atuação do chatbot DoNotPay nos casos de consumidores insatisfeitos com voos atrasados, na confecção de pedido de asilo de refugiados e no suporte a portadores de HIV que desejam entender melhor os seus direitos.[19]
Na China, os juízes baseados em IA também estão se tornando realidade. Proclamada como a “primeira do gênero no mundo”, a cidade de Pequim introduziu um centro de serviços de litígio baseado na Internet que apresenta um juiz de IA para certos tipos de casos. A juíza, chamada Xinhua, é uma mulher artificial com corpo, expressões faciais, voz e ações baseadas em uma juíza humana. A juíza Xinhua está sendo usada principalmente para casos repetitivos básicos, principalmente, com a recepção de litígios e orientação on-line, em vez de julgamento final.[20]
Outro país de vanguarda nos sistemas de IA é a Estônia. Lá, o CTO Siim Sikkut começou a pilotar vários projetos baseados em IA nas agências estonianas em 2017, antes de contratar Ott Velsberg no ano passado, um jovem de 28 anos. Velsberg diz que a Estônia implantou IA em 13 lugares onde um algoritmo substituiu funcionários do governo.[21] No projeto mais ambicioso até hoje, o Ministério da Justiça da Estônia pediu a Velsberg e a sua equipe para projetar um juiz robô que pudesse julgar disputas de pequenas causas de menos de € 7.000. As autoridades esperam que o sistema possa resolver um acúmulo de casos para juízes e funcionários judiciais.[22]
Com relação ao Brasil, não foi diferente: a inteligência humana sempre teve como característica a habilidade de acumular experiências e delas extrair lições e aprendizado, bem como a capacidade de agir de forma independente e tomar decisões de modo autônomo. Inclusive, uma habilidade central de distinção do ser humano dos demais seres vivos. Ocorre que essa unanimidade do ser humano está sendo mimetizada por meio de algoritmos que constroem os sistemas de aprendizado de máquina, o que reduz a distância da atuação humana e a máquina, mas, sempre lembrando dos limites de aplicabilidade dos sistemas de IA no Direito. No terceiro capítulo, já se teve a oportunidade de visitar os sistemas de IA inseridos no Direito brasileiro, tais como: a Aurora,[23] o Bem-te-vi,[24] a Elis,[25] o Sinapes,[26] o Ágil e Radar[27], a Poti, Clara e Jerimum[28], a Alice, a Sofia e Monica[29], a Lia[30], o Sapiens[31] e, destacadamente, o Victor, que atuará especificamente no juízo de admissibilidade dos Recursos Extraordinários no Superior Tribunal Federal, que será analisado no próximo subcapítulo.
Depreende-se que, na década passada, os criativos nomes dos robôs jurídicos utilizados pelos tribunais poderiam sugerir histórias em quadrinhos. Do mesmo modo como hoje é pensar que no futuro[32], pode-se chegar ao Foro e ver uma tela de retina no lugar do julgador. O robô – embarcado com aprendizado de máquinas –, depois de ouvir o Ministério Público e o acusado, realizará as perguntas complementares e, em seguida, elaborará a sentença. Contudo, isso é o que pensam os entusiastas dos sistemas de IA; a conclusão desta tese constata que esse futuro está muito distante por razões técnicas nessa quadra da história.
Porém, é evidente que a evolução tecnológica exsurgida na última década e resultou em sistemas de IA que, além de realizarem atividades até então burocráticas e repetitivas, também estão realizando atividades autônomas noutras áreas do saber[33], bem como específicas atividades cognitivas com acurácia expressiva, que até então eram exclusivas dos seres humanos.[34]
Mas convém observar que não foi apenas um fator que colocou todos esses robôs no cenário jurídico brasileiro. O primeiro fator foi o acúmulo de processos judiciais – aproximadamente 63 milhões em 2019 –, cifra constante na esfera judicial brasileira[35]. Quanto mais se julga, mais fatos são judicializados num país de modernidade tardia.[36] O segundo fator e aliado ao fato que, para toda a doença, há sempre um remédio, foi da atuação dos profissionais da Ciência Jurídica no meio jurídico por meio da tecnologia da informação para implantação do processo eletrônico. Isso, tecnicamente, aproximou o Direito da Inteligência Artificial, como já salientado, algo inimaginável na década passada.
Destaca-se que a transformação digital no Direito era algo mais que necessário e, sim, uma questão de sobrevivência,[37] afirmação baseada nos números do Poder Judiciário. Isso que não há análise do orçamento surreal do judiciário,[38] o que caberia outra tese. Nessa senda, o processo eletrônico pode ser apontado como o marco inicial dessa transformação, pois, já em 2017, algo próximo a 80% dos processos ajuizados em primeiro grau, eram distribuídos pela via eletrônica; em 2018, o percentual subiu para próximo a 84%.
Contudo, de certa forma, o próprio percentual elevado da judicialização eletrônica pode ter contribuído para um efeito reverso, quer dizer, um resultado de diminuição sensível do estoque processual em 1,4% nos últimos dois anos. Ainda que se observe a diminuição em números absolutos de processos, que alcança mais de um milhão de processos baixados, o estoque de processos que tramitam na Justiça brasileira é da ordem de 63 milhões. Provavelmente, muito embora o incremento de processos baixados tenham sido suficientes para barrar o incremento do número de distribuição processual,[39] não foi capaz de causar uma queda no percentual do estoque processual na casa decimal.
Logo, o primeiro passo dado pelo processo eletrônico por meio da Tecnologia da Informação (TI) foi oportuno, pois era de fundamental importância o apoio tecnológico para ataque ao volume processual brasileiro na casa dos milhões. Contudo, o processo eletrônico não racionaliza o tempo de atos processuais, muito menos analisa movimentações processuais, de modo a realizar despachos de praxe; tudo isso requer a intervenção humana. O processo é eletrônico, mas, ao mesmo tempo, manual na tramitação de atos, salvas algumas intimações eletrônicas que o próprio sistema treinado realiza o computo do prazo processual em questão.
Desse modo, buscar a redução do tempo necessário para as práticas de atos processuais no curso do processo e almejar o avanço a determinadas ações cognitivas no Direito, à luz da atual IA, é imprescindível, sempre lembrando dos exemplos da China e Estónia que já construíram uma IA capaz de decidir crimes de pequeno potencial ofensivo. O binômio, redução do tempo dos atos processuais e do tempo de decisão, resultaria, ao fim e ao cabo, num meio efetivo de redução do acervo processual brasileiro.[40]
Porém, esse é o binômio indissociável para a redução do acervo processual, e o objetivo central desta tese, isto é, constatar empiricamente se a atuação do robô Victor no Supremo Tribunal Federal, além de dar celeridade nos atos processuais que precedem o julgamento do Recurso Extraordinário, também irão diminuir o número de processos sobrestados no país em matéria tributária.
Em virtude dessas considerações, constata-se, no Brasil, uma estrutura tecnológica voltada aos sistemas de IA que já apoiam o Direito, tanto tribunais quanto advogados. Contudo, por outro lado, há um sistema judiciário no qual diversos fatos são judicializados e acabam na mesa de um tribunal, resultando em milhares de processos tramitando na justiça brasileira. São varas judiciais com 40 mil processos espalhadas no país e uma Corte Suprema que, em 2020, já recebeu 25.345 processos e baixou 20.534 processos.
Esse sistema processual autopoiético,[41] em tese, resulta em milhares de processos sobrestados no país, uma vez que a Suprema Corte recebe um número elevado de Recursos Extraordinários. Esse fenômeno, ao fim e ao cabo, paralisa processos verticalmente em ocasião das teses de repercussão geral reconhecidas. Por isso, a hipótese central é que, se os sistemas de IA forem desenvolvidos nos atos processuais, inexoravelmente, o incremento do número de processos sobrestados no país será inevitável, e o efeito, assim como constatado na inserção do processo eletrônico, terá pouco eficiência para redução substancial do acervo processual no país.[42]
A IA, no Direito, é uma situação real e necessária, ainda com duas forças antagônicas; ou seja, de um lado, os otimistas humanizadores da IA, que acreditam veementemente que os sistemas de IA, inclusive, substituirão os juízes. Por outro lado, os céticos, que desconhecem a contribuição que os sistemas de IA são capazes de disponibilizar aos operadores do Direito.[43]
Contudo, do ponto de vista da celeridade processual e da capacidade de os sistemas de IA trabalharem com os bancos de dados da justiça brasileira, isso começa a se tornar pacífico. Os sistemas de IA possuem a capacidade de absorver as novas informações, produzindo diuturnamente um aprendizado oportuno e com acurácias relevantes no Direito, que pode abarcar, precipuamente, as tarefas repetitivas do Direito. De acordo com os projetos de IA referenciados anteriormente, isso começa se tornar indiscutível, diminuindo, assim, a corrente cética, ao passo que, do mesmo modo, ao se identificar os limites de aplicabilidade dos sistemas de IA no Direito, também diminui o endeusamento dos eufóricos com o avanço da IA no Direito.
Essa tecnológica antes não experimentada ainda tem o poder de crescimento exponencial, uma vez que o aumento da capacidade de velocidade de processamento é constante. Inclusive, tal realidade pode ser exponencial com o advento de processadores quânticos que já estão em testes,[44] e concorrentes da Google buscam a mesma tecnologia, como Microsoft, IBM e outras não menos importantes. Isso pode resultar numa capacidade de processamento de dados jamais evidenciada na Ciência da Computação.
Em face dos dois fatores aqui referenciados que permeiam o Direito, quais sejam o volume exacerbado do acervo processual brasileiro e capacidade de dados que oferece condições de possibilidade para manejos dos sistemas de IA no Direito, fez o Direito, por meio dos profissionais da Ciência da Computação que já habitavam no Direito, aproximar-se da IA. Os profissionais do Direto perceberam, e ainda muitos estão tomando ciência disso, que a IA tem a capacidade de reproduzir a capacidade humana em determinadas tarefas (repetitivas e estressantes) antes impossíveis no Direito.
A IA exsurge como uma ciência tecnológica, que permite um avanço no aspecto procedimental do Direito e que pode, no futuro, quem sabe, após superar os problemas dos vieses algorítmicos e da ausência de accountability, aproximar-se dos atos decisórios no Direito. Assim, no próximo subcapítulo, identificar-se-á o propósito do sistema de IA no processamento dos Recursos Extraordinários no STF.
[1] – Graduado em Ciências Econômicas (UNISINOS) Mestrado em Ciências Econômicas (UFRGS) Graduado em Ciências Jurídicas (UNISINOS) Mestrado em Direito Público (UNISINOS) Especialista em Direito Tributário (UNISINOS) Especialista em Direito Penal (UNIASSELVI) Advogado Empresarial OAB/RS 88.618. Doutor em Direito Público (UNISINOS), Pós-doutorando em Direito Público (UNISINOS).
[2] A exemplo disso, o teste de Turing é um modo para determinar se um computador é realmente inteligente, verificando se ele consegue enganar um humano em uma conversação por achar que ele fosse humano também. Atualmente há a firme convicção de que, mesmo se um computador pudesse passar no teste de Turing, ele ainda não seria verdadeiramente consciente ou inteligente do modo como os humanos são.
[3] De acordo com a IBM, 2,5 quintilhões (2.500.000.000.000.000.000) de bytes de dados são criados todos os dias, e 90% de todos os dados foram criados nos últimos dois anos. Para contar uma boa história, os advogados precisam de uma maneira de filtrar os dados. SOBOWALE, Julie. How artificial intelligence is transforming the legal profession. In: ABA JOURNAL. [S.I.], 01 de abril de 2016. Disponível em: https://www.abajournal.com/magazine/article/how_artificial_intelligence_is_transforming_the_legal_profession. Acesso em: 29 ago. 2020.
[4] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em Números 2019. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça, 2019. Anual. 236 p. Disponível em:
http://web.trf3.jus.br/noticias/uploaddir/file/2019/Relat%C3%B3rio%20Justi%C3%A7a%20em%20N%C3%BAmeros%202019.pdf. Acesso em: 12 mar. 2020.
[5] Segundo Ada Lovelace, a máquina vem não para criar, mas sim para realizar atividades determinadas pelos próprios seres humanos, e é nesse aspecto que as novas tecnologias são importadas para o mundo jurídico, em especial a Inteligência Artificial. LOVELACE, Ada. Notas à tradução. In: MENABREA, L. F. Sketch of the analytical engine invented by Charles Babbage. Scientific Memoirs, v. 3, p. 666-731, 1843.
[6] O termo robô nada mais é que uma máquina – especialmente programável por um computador – capaz de executar uma série complexa de ações automaticamente. ROBOT. In: OXFORD ENGLISH DICTIONARY. Oxford, Inglaterra, [2020?]. Disponível em: https://www.oed.com/. Acesso em: 29 ago. 2020.
[7] MCGINNIS, John O.; PEARCE, Russell G. The Great Disruption: How Machine Intelligence Will Transform the Role of Lawyers in the Delivery of Legal Services. Fordham Law Review, Nova York, v. 82, n. 6, p.1-27, maio 2014. Disponível em:
https://ir.lawnet.fordham.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=5007&context=flr . Acesso em: 29 ago. 2020.
[8] O maior problema desses sistemas está exatamente em como programar os algoritmos para que eles sejam realmente neutros em decisões oficiais, já que testes com sistemas semelhantes nos Estados Unidos mostraram que eles podem apresentar um certo “preconceito” contra pessoas de etnia negra. Não porque a máquina em si é racista, mas porque sua programação introduziu processos de base onde houve preconceito por parte do juiz no momento da condenação (como, por exemplo, uma dupla de um negro e um branco cometem um crime juntos, e o negro é condenado a mais tempo de prisão pelo mesmo crime cometido pelo branco), o que acabou fazendo com que as decisões tomadas pela IA também viessem carregadas de preconceito. SILVA, Rafael R. da. Estônia está desenvolvendo o primeiro “juiz robô” do mundo. In: CANALTECH. [S.I.], 04 de abril de 2019. Disponível em: https://canaltech.com.br/inteligencia-artificial/estonia-esta-desenvolvendo-o-primeiro-juiz-robo-do-mundo-136099/. Acesso: 29 ago. 2020.
[9] Os economistas que são céticos a respeito do impacto da tecnologia e da automação em geral apontam para o fato de que a ascensão dos robôs não é tão óbvia nos dados da produtividade, especialmente no curto prazo. FORD, Martin. Os robôs e o futuro. Tradução de Claudia Gerpe Duarte. Rio de Janeiro: Best Business, 2019. p. 277.
[10] O termo Revolução 4.0 foi descrito no terceiro capítulo, lá foi descrito que a Quarta Revolução Industrial já está acontecendo. O presidente do Fórum Econômico Mundial de Davos, Klaus Schwab, no ano de 2016, foi quem apresentou pela primeira vez esse termo como uma revolução tecnológica que alterará fundamentalmente a maneira como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos, com grandeza, amplitude e multiplicidade. Como as revoluções que a precederam, a Quarta Revolução Industrial tem o potencial de elevar os níveis de renda global e melhorar a qualidade de vida das populações em todo o mundo. Até o momento, aqueles que mais ganharam com isso foram consumidores capazes de pagar e acessar o mundo digital. A tecnologia possibilitou novos produtos e serviços que aumentam a eficiência e o prazer de nossas vidas pessoais. Encomendar um táxi, reservar um voo, comprar um produto, pagar, ouvir música, assistir a um filme ou jogar um jogo – qualquer um desses itens pode ser feito remotamente. SCHWAB, Klaus. The fourth industrial revolution: what it means, how to respond. In: WORLD ECONOMIC FORUM. [S.I.], 14 de janeiro de 2016. Disponível em: https://www.weforum.org/agenda/2016/01/the-fourth-industrial-revolution-what-it-means-and-how-to-respond/. Acesso em: 01 set. 2020.
[11] O economista Susskind destaca que a tecnologia não destrói profissões inteiras de uma vez. Advogados, contadores ou médicos não vão chegar no trabalho e encontrar um robô sentado na cadeira deles. O que ela faz é mudar as tarefas e atividades que as pessoas realizam. E, em médio prazo, não achamos que haverá desemprego em massa, e sim redistribuição. É uma história na qual as tarefas e atividades que precisam ser realizadas para resolver os problemas que tradicionalmente só um médico, um advogado ou um contador resolveria serão bem diferentes e provavelmente serão feitas por pessoas diferentes. SUSSKIND, Daniel. A tecnologia não destrói profissões inteiras, o que ela faz é mudar tarefas. Entrevista cedida a Silio Boccanera. In: AB2L, 23 de dezembro de 2018. Disponível em: https://www.ab2l.org.br/a-tecnologia-naodestroi-profissoes-inteiras-o-que-ela-faz-e-mudar-tarefas/. Acesso em: 01 set. 2020.
[12] A Deloitte Touche Tohmatsu Limited, também conhecida apenas como Deloitte, é uma empresa de serviços sediada em Londres, Reino Unido. Fundada em 1845, em Londres, possui hoje 700 escritórios em mais de 150 países, e conta com cerca de 263.900 profissionais. DELOITTE. Página inicial. Londres, Inglaterra: Deloitte, [2020?]. Disponível em: https://www2.deloitte.com/br/pt.html. Acesso em: 29 ago. 2020.
[13] “Uma questão à espreita em tudo isso é se alguém pode entrar e fazer o que a Amazon fez com a venda de livros”, diz Susskind. SUSSKIND, Richard; SUSSKIND, Daniel. The future of the professions. Narração: John Lee. [S.I.]: Audible, Inc., 2016. 1 audiolivro (On-line). Disponível em: https://www.audible.com/pd/The-Future-of-the-Professions-Audiobook/B01AWV5SDA?source_code=GO1DH13310082090OZ&ds_rl=1262685&ds_rl=1263561&
ds_rl=1260658&gclid=Cj0KCQiA48j9BRC-ARIsAMQu3WSgr9ipxSZ7HJZxGeqYwDhnPuK2WP3gpJDwS4stVP7-HOpBOayKFX0aArh_EALw_wcB&gclsrc=aw.ds. Acesso em: 15 nov. 2020.
[14] A ascensão das legaltechs é, na verdade, indicativa de um processo mais amplo de transformação da prática jurídica, com a introdução de ferramentas tecnológicas que tendem a reduzir ou eliminar determinados custos ou etapas dos processos de produção do direito. Entendemos que esses novos instrumentos trazem duas variáveis especialmente importantes: (i) a tendência de crescente automação de tarefas relacionadas ao direito (e.g. elaboração de documentos, realização de pesquisas de legislação, doutrina e jurisprudência etc.), e (ii) a introdução de inteligências artificiais capazes de aprender pela própria experiência (aprendizado de máquina) e desenvolver algoritmos capazes de organizar melhor a realização de trabalhos repetitivos. FEFERBAUM, Marina; SILVA, Alexandre Pacheco da. Direito e mudanças tecnológicas: automação, inteligência artificial e os novos desafios do ensino jurídico. In: COELHO, Alexandre Zavaglia Pereira; FEIGELSON, Bruno; XAVIER, Christiano Pires Guerra (Coord.). Revista de Direito e as Novas Tecnologias, v. 1, n. 1, out./dez. 2018. p. 203.
[15] MERKER, Júlia. Watson entra no setor jurídico. In: BAGUETE. [S.I.], 26 de setembro de 2016. Disponível em: https://www.baguete.com.br/noticias/26/09/2016/watson-entra-no-setor-juridico. Acesso em: 19 ago. 2018.
[16] Possibilitado graças à investimentos em machine learning e uma nova rede particular de nuvem, o COIN é apenas o começo para o maior banco norte-americano. Tudo isso para encontrar novas fontes de receita, reduzindo despesas e riscos. O projeto é supervisionado pelo Diretor de Operações Matt Zames e pela Diretora de Informação Dana Deasy. Embora o JPMorgan tenha saído da crise financeira como um dos poucos vencedores, seu domínio está em risco se não buscar agressivamente novas tecnologias. Essa é a mensagem que Zames trouxe à Deasy quando se juntou ao JP no fim de 2013 e é aplicável a todas as empresas diferentes. Matt disse: lembre-se de uma coisa acima de todas as outras: “nós precisamos ser os líderes em tecnologia para serviços financeiros”, comenta. “Tudo que fizemos desde então surgiu dessa reunião”. Depois de visitar empresas como a Apple e o Facebook para entender como seus desenvolvedores trabalhavam, o banco decidiu criar sua própria rede em nuvem chamada Gaia, que entrou em operação no ano passado. Os trabalhos com machine learning e big data agora são rodados através da plataforma privada, que tem efetivamente capacidade ilimitada para suportar sua sede por poder de processamento. O sistema já está ajudando o banco a automatizar algumas atividades de codificação e tornar seus 20 mil desenvolvedores mais produtivos, economizando dinheiro, segundo Zames. Quando necessário, a empresa também pode acessar serviços de nuvem externos da Amazon, da Microsoft e da IBM. O orçamento total de tecnologia do JPMorgan para este ano representa 9% da sua receita projetada – o dobro da média da indústria, de acordo com a analista do Morgan Stanley Betsy Graseck. Um terço desse orçamento é destinado a novas iniciativas, algo que Zames quer elevar para 40%. Ele acredita que economizar com automação e aposentar as velhas tecnologias o permitirão canalizar mais dinheiro ainda em inovações. Nem todas as apostas do banco compensarão, mas segundo o executivo “tudo bem”. “Estamos dispostos a investir para ficar à frente da curva. Mesmo que, em última análise, parte desse dinheiro vá para produtos ou serviços que não eram necessários”, disse Marianne Lake, Chefe de Finanças. “Isso porque não podemos esperar para saber os resultados. O ambiente está em extrema mutação constante, por isso temos que ir tentando”. Quanto ao COIN, o programa ajudou o JPMorgan a reduzir os erros de manutenção de empréstimos, a maioria resultante de erro humano na interpretação de 12 mil novos contratos por ano. O banco está buscando maneiras de implantar a tecnologia, que aprende através da ingestão de dados para identificar padrões e relacionamentos. O banco planeja usá-lo para outros tipos de arquivamentos legais, como seguro contra calote e contratos de custódia. Algum dia, a empresa pode usá-lo para ajudar a interpretar os regulamentos e analisar as comunicações corporativas. Enquanto um número grande de pessoas se preocupa que tais avanços podem algum dia tomar seus empregos, muitos funcionários de Wall Street estão mais focados em benefícios. Um levantamento feito pelo Options Group, com mais de 3.200 profissionais da área financeira, descobriu que a maioria espera que novas tecnologias melhorem suas carreiras. “As pessoas sempre falam sobre isso como um demérito. Eu falo sobre isso como liberar pessoas para trabalhar em coisas de maior valor. Razão pela qual é uma oportunidade tão fantástica para a empresa”, comenta Deasy. O fato é que a tecnologia está mudando a forma como as empresas funcionam – e quem ficar para trás vai morrer. SON, Hugh. JPMorgan Software Does in Seconds What Took Lawyers 360,000 Hours. In: BLOOMERANG. Nova Iorque, 27 de fevereiro de 2017. Disponível em:
https://www.bloomberg.com/news/articles/2017-02-28/jpmorgan-marshals-an-army-of-developers-to-automate-high-finance. Acesso em: 29 ago. 2020.
[17] Os softwares de última geração não só compreendem significados como também fazem correlações. Além de analisar milhões de documentos em segundos, eles sugerem decisões a serem tomadas e alertam para qualquer mudança que possa afetar o caso. É o que o “robô” Ross faz, por exemplo. Desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Toronto, no Canadá, com base na tecnologia de computação cognitiva Watson, da IBM, o Ross já está “trabalhando” em alguns escritórios de advocacia dos Estados Unidos. Outro exemplo é o Luminance, criado na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, que promete acelerar o processo de auditoria em fusões e aquisições – quando um time completo de advogados analisa centenas de documentos complexos sobre uma empresa a ser comprada para determinar a viabilidade do negócio. IBM. Preparado para usar as APIs do Watson? In: IBM. Nova Iorque, [2020?]. Disponível em: https://www.ibm.com/watson/br-pt/. Acesso em: 29 ago. 2018.
[18] LUMINANCE. Página inicial. [S.I.]: Luminance Technologies Ltd., [2020?]. Disponível em: https://www.luminance.com/. Acesso em: 29 ago. 2019.
[19] SOUZA, Ramon de. Batemos um papo com o robô advogado que já venceu 160 mil contestações. In: TECMUNDO. [S.I.], 28 de junho de 2016. Disponível em:
https://www.tecmundo.com.br/inteligencia-artificial/106644-batemos-papo-robo-advogado-venceu-160-mil-contestacoes.htm#:~:text=Ap%C3%B3s%20aparecer%20no%20site%20gringo,Reino%20Unido%20e%20Nova%20York). Acesso em: 29 ago. 2020.
[20] Com base em tecnologias de sintetização inteligente de fala e imagens, o juiz de IA ajudará os juízes do tribunal a concluir o trabalho básico repetitivo, incluindo a recepção de litígios, permitindo que os profissionais se concentrem melhor em seu trabalho de julgamento. O micro tribunal móvel permite que o arquivamento, mediação, audiência em tribunal, comparecimento a audiência de tribunal e inquéritos sejam tratados por meio de telefones celulares. A conta Weitao é uma forma inovadora de comunicação em tempo real e publicidade legal. É também o primeiro do tipo entre os tribunais de todo o país. O Tribunal da Internet de Pequim tem se esforçado para integrar profundamente a Internet, computação em nuvem e IA com julgamentos judiciais e o sistema de serviço de contencioso para permitir que o público se beneficie mais da inovação científica e tecnológica, de acordo com comentários feitos pelo presidente do tribunal Zhang Wen na conferência de imprensa. BEIJING internet court launches online litigation servisse center. In: BEIJING INTERNET COURT. Beijing, China, 01 de junho de 2019. Disponível em:
https://english.bjinternetcourt.gov.cn/2019-07/01/c_190.htm. Acesso em: 29 ago. 2020.
[21] Um desses setores é o agrícola: inspetores não precisam mais ir checar pessoalmente se os agricultores que recebem subsídios do governo estão mesmo fazendo a colheita nas áreas especificadas (os subsídios são dados para que os agricultores não desmatem as florestas locais para expandir sua área de plantio). Em vez disso, o processo agora é feito por um algoritmo que utiliza imagens de satélite capturadas pela Agência Espacial Europeia semanalmente. Com as imagens, o sistema consegue descobrir se o dono da fazenda seguiu as regras de não desmatar as regiões do entorno. Claro, há algumas variações que podem atrapalhar essa análise, mas quando isso acontece um inspetor precisa visitar pessoalmente o local para ver se as fronteiras estão sendo respeitadas. NIILER, Eric. Can AI be a fair judge in court? Estonia thinks so. In: WIRED. Nova York, EUA, 25 de março de 2019. Disponível em: https://www.wired.com/story/can-ai-be-fair-judge-court-estonia-thinks-so/. Acesso em: 29 ago. 2020.
[22] Ainda que o “juiz robô” da Estônia não seja a primeira vez que um órgão governamental propõe a utilização de uma IA para o sistema legal, o projeto do país europeu seria o primeiro a dar para o computador o poder de decisão — e pode dar certo no país principalmente porque todos os seus 1,3 milhão de habitantes já possuem um registro federal totalmente digital que permite até mesmo que os habitantes votem em seus representantes no governo pela internet. sso é possível graças aos bancos de dados de todos os órgãos do governo estarem conectados por uma infraestrutura chamada “X-road”, que facilita o compartilhamento de informações entre os diferentes setores da administração do país. E apesar de alguns problemas (como uma vulnerabilidade no sistema de identificação que obrigou o governo a trocar os cartões de identificação de toda a população em 2017), o país se orgulha de não ter tido nenhum tipo de invasão para roubo de informações desde o começo dos anos 2000. Mas, de acordo com David Engstrom, especialista em governança digital da Universidade de Stanford, ainda que hoje os cidadãos da Estônia confiem que o governo irá usar seus dados digitais de maneira correta, essa concepção pode mudar caso o “juiz robô” ou qualquer outra IA que venha a ser implementada pelo governo tome uma decisão que seja vista como polêmica pela população (Ibid.).
[23] O Projeto Aurora de inteligência artificial, foi desenvolvido pela Procuradoria Geral do Estado de Pernambuco (PGE-PE), a Universidade de Pernambuco (UPE) e a Agência de Tecnologia da Informação de Pernambuco (ATI-PE), é o primeiro do Estado e já construiu, nesses nove meses de funcionamento, 11 robôs para automatização de processos que possibilitaram a agilização do trabalho dos procuradores. PGE-PE, UPE E ATI AMPLIAM parceria em inteligência computacional. In: UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO. Notícias. Pernambuco, 18 de fevereiro de 2020. Disponível em: http://www.upe.br/noticias/pge-pe-upe-e-ati-ampliam-parceria-em-inteligencia-computacional-novo.html. Acesso em: 29 ago. 2020.
[24] O Bem-te-Vi irá gerenciar os processos judiciais do Tribunal Superior do Trabalho utilizando a inteligência artificial, o software contará com a funcionalidade de análise automática da tempestividade (observância de prazos) dos processos. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Inteligência artificial traz melhorias inovadoras para tramitação de processos no TST. Brasília, DF: Tribunal Superior do Trabalho, [2020?]. Disponível em: http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/inteligencia-artificial-traz-melhorias-inovadoras-para-tramitacao-de-processos-no-tst. Acesso em: 29 ago. 2020.
[25] – O Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) buscou a ajuda da tecnologia para dar fluxo aos 447 mil processos de Execução Fiscal. Os técnicos criaram um sistema que foi batizado de “Elis”. A ferramenta tem acelerado o trabalho repetitivo e demorado da triagem inicial dos processos fiscais. BRITO, Bruno. TJPE usará inteligência artificial para agilizar processos de execução. In: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO. Pernambuco: Tribunal de Justiça de Pernambuco, 20 de novembro de 2018. Disponível em: https://www.tjpe.jus.br/agencia-de-noticias/noticias-em-destaque-com-foto/-/asset_publisher/Mx1aQAV3wfGN/content/tjpe-usara-inteligencia-artificial-para-agilizar-processos-de-execucao-fiscal-no-recife?inheritRedirect=false. Acesso em: 29 ago. 2020.
[26] RONDÔNIA. Corregedoria Geral da Justiça. TJSE conhece Sinapses, robô do TJRO que potencializa a celeridade processual. Porto Velho: Corregedoria Geral da Justiça, 30 de abril de 2019. Disponível em: https://tjro.jus.br/corregedoria/index.php/component/k2/169-tjse-conhece-sinapses-robo-do-tjro-que-potencializa-a-celeridade-processual. Acesso em: 07 jun. 2020.
[27] Os robôs Ágil e Radar são ferramentas do TJMG e, por meio de cálculos estatísticos, identificam distorções na distribuição de processos tanto por comarca quanto no segundo grau. MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Seminário debate uso da tecnologia no Direito e Tecnologia. Belo Horizonte: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, 20 de abril de 2018. Disponível em: http://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/noticias/seminario-debate-uso-da-tecnologia-no-direito-e-tecnologia.htm#.Xt16kTpKjIU. Acesso em: 29 ago. 2020.
[28] O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) conta com uma família inteira de robôs: Poti, Clara e Jerimum, desenvolvido em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) para desenvolvimento de diferentes sistemas. A Poti está em plena atividade e executa tarefas de bloqueio, desbloqueio de contas e emissão de certidões relacionadas ao BACENJUD. O Jerimum foi criado para classificar e rotular processos, enquanto Clara lê documentos, sugere tarefas e recomenda decisões, como a extinção de uma execução porque o tributo já foi pago. JUDICIÁRIO ganha agilidade com uso de inteligência artificial. In: TRIBUNA DA JUSTIÇA. Natal, 04 de abril de 2019. Disponível em: http://tribunadajustica.com.br/judiciario-ganha-agilidade-com-uso-de-inteligencia-artificial/. Acesso em: 29 ago. 2020
[29] SIQUEIRA, Licardino. O impacto da inteligência artificial no controle externo. In: PORTAL TCE GOIÁS. Goiânia: Portal TCE Goiás, [2020?]. Disponível em:
https://portal.tce.go.gov.br/documents/20181/177720/O%20Impacto%20da%20Intelig%C3%AAncia%20Artificial%20no%20Controle%20Externo/5a710584-0a5d-4347-970a-6d845eff2d1d. Acesso em: 07 jun. 2020.
[30] De acordo com os criadores do sistema, a intenção é que a Lia colete informações e gere novos dados, adaptando-se, assim, às necessidades do usuário. BRASIL. Justiça Federal. Na era da inteligência artificial, Conselho da Justiça Federal lança plataforma que interage com usuários no portal. Brasília, DF: Justiça Federal, Conselho da Justiça Federal, 24 de junho de 2019. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/cjf/noticias/2019/06-junho/na-era-da-inteligencia-artificial-conselho-da-justica-federal-lanca-plataforma-que-interage-com-usuarios-no-portal#:~:text=Tecnologia&text=O%20Conselho%20da%20Justi%C3%A7a%20Federal,usu%C3%A1rios%20no%20portal%20do%20CJF. Acesso em: Acesso: 29 ago. 2020.
[31] O Sistema AGU de Inteligência Jurídica – SAPIENS é um Gerenciador Eletrônico de Documentos (GED) que possui avançados recursos de apoio à produção de conteúdo jurídico e de controle de fluxos administrativos, focado na integração com os sistemas informatizados do Poder Judiciário e do Poder Executivo. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (UFRJ). Advocacia-Geral da União. Procuradoria Federal. Sistema AGU de Inteligência Jurídica: SAPIENS. Rio de Janeiro: UFRJ, [2020?]. Disponível em: http://institucional.ufrrj.br/procuradoria/inicio/conheca-a-pfufrrj/sapiens/. Acesso: 29 ago. 2020
[32] James Barrat, autor de “Our final Invention”, trouxe as possíveis implicações da IA avançada, o autor fez um levantamento informal com cerca de duzentos pesquisadores do nível humano, e não da inteligência meramente limitada. Na área, isso é chamado de Inteligência Geral (IAG). O autor pediu aos cientistas de computação que fizessem uma escolha entre quatro diferentes previsões de quando a IAG seria alcançada. Os resultados foram os seguintes: 42% acreditavam que uma máquina pensante estaria entre nós já em 2030, 25% disseram que isso aconteceria por volta de 2050 e 20% afirmaram que isso só ocorreria em 2100, e apenas 2% acreditavam que isso nunca iria acontecer. E destaca-se, inúmeros entrevistados colocaram ao lado da marcação a pergunta: Por que não a opção de 2020. BARRAT, James. Our final Invention. Artificial Intelligence and the end of the human era. Nova York: Thomas Dunne Books, 2013.
[33] Os primeiros dispositivos de IA autônomos, que são os carros projetados para funcionar sem motoristas, devem pôr à prova a adequação das regras de responsabilidade civil atuais. VLADECK, David C. Machines without principals: liability rules and Artificial Intelligence. Washington Law Review, Seatle, EUA, v. 89, n. 1, p. 117-150, 2014. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/288714455_Machines_without_principals_Liability_rules_and_artificial_intelligence. Acesso em: 20 ago. 2020.
[34] A autonomia de um robô pode ser definida como a capacidade de tomar decisões e de as aplicar no mundo exterior, independentemente do controle ou da influência externa. Esta autonomia possui uma natureza puramente tecnológica e o seu grau depende de como foi concebido o seu nível de sofisticação na interação de um robô com o seu ambiente. EUROPEAN PARLIAMENT. Draft Report. Motion for a european parliament resolution with recommendations to the Commission on Civil Rules on Robotics (2015/2103 (INL)). In: EUROPEAN PARLIAMENT. [S.I.], 31 de maio de 2016. Disponível em: https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/JURI-PR-582443_EN.pdf?redirect. Acesso em: 29 ago. 2020. p. 5.
[35] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em Números 2019. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça, 2019. Anual. 236 p. Disponível em:
http://web.trf3.jus.br/noticias/uploaddir/file/2019/Relat%C3%B3rio%20Justi%C3%A7a%20em%20N%C3%BAmeros%202019.pdf. Acesso em: 12 mar. 2020.
[36] Tais questões assumem extrema relevância na discussão do papel da Constituição em países de modernidade tardia como o Brasil e naquilo que até hoje se tem entendido como dirigismo constitucional, suas condições e suas possibilidades. A idéia de uma Teoria da Constituição Dirigente Adequada aos Países de Modernidade Tardia implica uma interligação com uma teoria do Estado, visando à construção de um espaço público, apto a implementar a Constituição em sua materialidade. Dito de outro modo, uma tal teoria da Constituição dirigente não prescinde da teoria do Estado, apta a explicitar as condições de possibilidade da implantação das políticas de desenvolvimento constantes – de forma dirigente e vinculativa – no texto da Constituição. STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. Uma Nova Crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
[37] Conforme Koetz a transformação digital é uma necessidade para a continuidade da existência da Justiça. KOETZ, Eduardo. Transformação Digital e a Justiça. In: TRANSFORMAÇÃO Digital (TD). São Paulo, 22 de junho de 2017. Disponível em: https://transformacaodigital.com/justica-digital/. Acesso em: 03 ago. 2018.
[38] O orçamento total em 2018 foi da ordem 93.725.289.276 reais, o orçamento em tecnologia cresceu e, em comparação com outros países, conforme mostrado pela Figura 1, o Judiciário brasileiro investiu uma quantidade expressiva de recursos financeiros. No entanto, apesar de o Brasil ter investido R$ 2,2 bilhões (cerca de US$ 550 Milhões) em Tecnologia da Informação, o número de ações judiciais em tramitação é de aproximadamente de 80 milhões (CNJ, 2018). Em 2019 o CNJ instituiu o Laboratório de Inovação (LabInov) e o Centro de Inteligência Artificial (CIA), ambos para o desenvolvimento da Plataforma Judicial Eletrônica (PJe). O CNJ pretende ter essa plataforma como única em todos os tribunais brasileiros (Decreto 25, 2019).
[39] O estoque processual diminuiu em mais de um milhão de processos nos últimos dois anos (-1,4%). Esse resultado foi extremamente positivo, pois, até 2016, o aumento do acervo era recorrente. Em 2017 houve estabilização do estoque, culminando com a queda verificada em 2018. Os dados são reflexo do aumento no total de processos baixados, que atingiu o maior valor da série histórica no ano de 2018, além da redução dos casos novos. Assim, o Índice de Atendimento à Demanda no ano de 2018 foi de 113,7%, ou seja, foram solucionados 13,7% processos a mais que os ingressados. Cabe pontuar que tal resultado decorre, em especial, do desempenho da Justiça do Trabalho, que praticamente manteve sua produtividade, em que pese a redução de 861 mil novos processos, ocasionando queda, somente neste segmento de justiça, de 656 mil casos pendentes. BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em Números 2019. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça, 2019. Anual. 236 p. Disponível em:
http://web.trf3.jus.br/noticias/uploaddir/file/2019/Relat%C3%B3rio%20Justi%C3%A7a%20em%20N%C3%BAmeros%202019.pdf. Acesso em: 30 ago. 2020.
[40] Preparar-se para os novos tempos não significa apenas aprimorar o processo eletrônico, pois isto não é novidade alguma e já existe em tribunais de todos os continentes. É muito mais do que isto. É saber manejar o inconformismo da sociedade com a demora, a quebra do formalismo, a exigência cada vez mais de transparência (a Lei nº 12.527, de 2011, trata do acesso às informações) e outras transformações sociais. E, entre outras coisas, adequar a inteligência artificial às Varas e Tribunais. FREITAS, Vladimir Passos de. Os desafios da inteligência artificial no Poder Judiciário. In: CONSULTOR Jurídico. São Paulo, 31 de março de 2019. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2019-mar-31/segunda-leituradesafios-inteligencia-artificial-poder-judiciario. Acesso em 30 ago. 2020.
[41] Para o querido Professor Leonel Severo Rocha, “o sistema autopoiético é aquele que é simultaneamente fechado e aberto, ou seja, é um sistema que tem repetição e diferença, tendo que equacionar no seu interior esse paradoxo”. ROCHA, Leonel Severo. O Direito na Forma de Sociedade Globalizada. In: ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia Jurídica e Democracia. 2 ed. São Leopoldo: Unisinos, 2005. p. 199.
[42] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acervo Min. Presidente. Brasília, DF: Supremo Tribunal Federal, 14 de setembro de 2018. Disponível em:
http://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=mpresidente. Acesso: 31 ago. 2020.
[43] É uma espécie de negação do novo, do inusitado, que para refutá-lo, os céticos se utilizam de atalhos e sustentam: acredito só vendo. O autor Susskind denomina como sendo a “irrational rejectionism“, quer dizer que, o cético não se presta sequer a buscar o conhecimento do novo, a rejeição dogmática e visceral de uma tecnologia com a qual o cético não tem experiência pessoal direta. O autor se utiliza do Twitter para afirmar o rejeicionismo irracional dos céticos, “hoje, mais de 500 milhões de pessoas são usuários. E, no entanto, mesmo com esse número de assinantes, sempre tenho a sensação de que os advogados estão esperando o Twitter decolar. Ao resistir ao Twitter e a outros sistemas emergentes, o que frequentemente testemunhamos é um fenômeno que chamo de “rejeicionismo irracional.” Um desafio importante para a profissão jurídica, no entanto, é adotar novos sistemas com antecedência; para identificar e aproveitar as oportunidades oferecidas pelas tecnologias emergentes. SUSSKIND, Richard. Tommorrow’s Lawyers. An Introduction to Your Future. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2017; SUSSKIND, Richard. Online Courts and the future of justice. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2019. p. 13.
[44] Existem vários métodos de se construir um computador quântico, porém nem todos são eficientes, o método mais utilizado atualmente é a construção de chips supercondutores, que atuam em uma temperatura muito baixa para operar com os átomos do metal supercondutor. Em 2011 foi lançado o primeiro computador quântico funcional, o D-Wave. Esse computador foi construído apenas para pesquisa, isso porque, seu processamento é muito limitado e consegue executar poucas tarefas. O preço desse computador é de U$$ 10.000.000,00. Ele possui 128 qubits e é mantido em um sistema criogênio, blindado em um espaço de 10m2, conseguindo uma temperatura de -272.98 ºC. ARRUDA, Luiz Gustavo E. Computação quântica baseada em medidas projetivas em sistemas quânticos abertos. 2011. Tese (Doutorado em Física) – Programa de Pós-Graduação em Física, Instituto de Física de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2011. Disponível em:
https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/76/76131/tde-30082011-091437/pt-br.php. Acesso em 14 ago. 2020.