A testemunha em processo criminal que mente ao prestar depoimento para evitar que seja incriminada por outro ilícito não comete crime algum, no final das contas. Isso porque a Constituição Federal garante o direito à não autoincriminação.
No momento do testemunho, falar a verdade significaria incriminar a testemunha pelo delito de falsidade ideológica
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Com esse entendimento, o ministro Antonio Saldanha Palheiro, do Superior Tribunal de Justiça, concedeu a ordem em Habeas Corpus para reconhecer a atipicidade da conduta de falso testemunho praticada pelo ex-presidente da Câmara Municipal de Lagoa (PB), Gilberto Tolentino Leite Junior, o Gilbertinho.
O caso ocorreu em 2010, no bojo de investigação do Ministério Público de supostos atos de improbidade praticados pelo então prefeito da cidade.
Gilbertinho, que presidia o Legislativo municipal, informou em ofício que o prefeito entregava mensalmente à Câmara Municipal os Balancetes de Receitas e Despesas referentes ao ano de 2009. As investigações, no entanto, concluíram que esses documentos foram entregues de forma irregular e fora dos prazos estipulados em lei.
Chamado a prestar esclarecimentos à promotoria local, confirmou a veracidade das informações repassadas no ofício. Por isso, foi denunciado e condenado por falsidade ideológica (por repassar informações falsas sobre os balancetes) e também por falso testemunho (por mentir em audiência).
Ao STJ, a defesa, feita pelos advogados Rafael Carneiro e Pedro Porto, do escritório Carneiros e Dipp Advogados, apontou que Gilbertinho mentiu em testemunho para não se incriminar quanto ao delito de falsidade ideológica. E ao fazê-lo, apenas exerceu um direito garantido pela Constituição Federal.
“Na minha compreensão, se o paciente, em seu depoimento, afirmasse não serem verdadeiros os dados inseridos no mencionado ofício, ele estaria confessando o delito de falsidade ideológica. Ora, a Constituição Federal assegura ao indivíduo a prerrogativa de não se auto-incriminar. Desse modo, não configura o crime em desfile quando a pessoa, depondo como testemunha, ainda que compromissada, deixa de revelar fatos que possam incriminá-la”, concordou o ministro Saldanha Palheiro.
Ele destacou que o privilégio contra a auto-incriminação exonera o depoente do dever de depor sobre fatos cujo esclarecimento possa ensejar sua responsabilização penal. Logo, a conduta é atípica.
A decisão de Habeas Corpus ainda reconhece a prescrição da pretensão punitiva quanto ao crime de falsidade ideológica, pelo lapso de tempo entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença condenatória.
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HC 603.445
Fonte: Consultor Jurídico