Novo Código Comercial altera definição de empresário

O texto final apresentado pela Comissão especial para o novo Código Comercial está tripartido em Parte Geral, Parte Especial e Parte Complementar (disposições finais e transitórias). A Parte Geral, por sua vez, divide-se em quatro livros: Do Direito Comercial; Da pessoa do empresário; Dos bens e da atividade do empresário; Dos fatos jurídicos empresariais.

Princípios do Direito Comercial

Logo no primeiro livro, um dos motos propulsores de toda a iniciativa de preparar um novo Código, qual seja, a preocupação com o desprestígio e em certa medida até derrogação que alguns princípios históricos do direito comercial vinham sofrendo em decisões judiciais, principalmente em nome de princípios do Direito do Consumidor.

Assim, para os autores do anteprojeto,

“Os princípios, hoje, no direito brasileiro, desfrutam de acentuada centralidade na argumentação jurídica. (…) O direito comercial tem seus próprios princípios, que fundamentam axiologicamente as regras centrais deste ramo jurídico. Mas por razões várias, inclusive a revogação, desde 2002, da primeira parte do Código Comercial, não estão sendo prestigiados em diversas decisões judiciais, implicando graves riscos à segurança jurídica.

A enunciação, na ordem positivada, dos princípios do direito comercial apresenta-se, assim, como uma medida necessária ao aumento da segurança jurídica. Se a argumentação tem sido, em todas as áreas do direito, centrada nos princípios, o direito comercial não pode procurar assentar-se em racionalidade distinta, entendida como anacrônica, que deixe de contextualizar cada regra em argumentos mais amplos, fundados em preceitos principiológicos. Esta outra racionalidade, vista como anacrônica, tem implicado a lamentável ineficácia de várias regras importantes do direito comercial, como, por exemplo, a da limitação da responsabilidade dos sócios pelas obrigações da sociedade limitada”.

Nessa esteira, lê-se no relatório final:

Art. 4º. São normas do direito comercial:

I – os princípios e regras da Constituição Federal aplicáveis;

II – as regras prescritas por este Código, pela lei, tratados e convenções;

III – os princípios expressamente enunciados neste Código ou na lei comercial;

IV – as regras prescritas pelos decretos, instruções e regulamentos editados pelas autoridades competentes;

V – as de autorregulação; e

VI – as consuetudinárias

E no parágrafo único (com grifo nosso) a sobrecautela:

Parágrafo único. Nenhum princípio, expresso ou implícito, pode ser invocado para afastar a aplicação de qualquer disposição deste Código ou da lei, ressalvada a hipótese de inconstitucionalidade da regra.

Art. 5º. São princípios do direito comercial comuns a todas as suas divisões:

I – Liberdade de iniciativa empresarial;

II – Liberdade de competição;

III – Função econômica e social da empresa; e

IV – Ética e boa-fé.

Art. 6º. Decorre do princípio da liberdade de iniciativa empresarial o reconhecimento:

I – da imprescindibilidade, no sistema capitalista, da empresa privada para o atendimento das necessidades de cada um e de todos;

II – do lucro obtido com a exploração regular e lícita de empresa como o principal fator de motivação da iniciativa privada;

III – da importância, para toda a sociedade, da proteção jurídica assegurada ao investimento privado feito com vistas ao fornecimento de produtos e serviços, na criação, consolidação ou ampliação de mercados consumidores, na inovação e no desenvolvimento econômico do país; e

IV – da empresa privada como importante polo gerador de postos de trabalho e tributos, bem como fomentadora de riqueza local, regional, nacional e global.

Art. 7º. No âmbito deste Código, a liberdade de iniciativa empresarial e de competição é protegida mediante a coibição da concorrência desleal e de condutas parasitárias.

Art. 8º. A empresa cumpre sua função econômica e social ao gerar empregos, tributos e riqueza, ao contribuir para o desenvolvimento econômico da comunidade em que atua, ao adotar práticas empresariais com observância de toda legislação aplicável à sua atividade, em especial aquela voltada à proteção do meio ambiente, dos direitos dos consumidores e da livre competição.

Art. 9º. Pelo princípio da ética e boa-fé, o empresário deve buscar a realização de seus interesses na exploração da atividade empresarial cumprindo rigorosamente a lei e adotando constante postura proba, leal, conciliatória e colaborativa.

Para os críticos do texto, contudo, trata-se de repetição desnecessária, pois os princípios dispostos nos artigos 4º, 5º, 6º e 7º já estariam todos na CF, também por sua vez tachada de “exuberantemente prolixa”, não havendo necessidade de serem repetidos em uma lei.

Definição de empresário

O texto do anteprojeto inova a definição de empresário, adotando concomitantemente os critérios material (para a pessoa natural) e formal (para a pessoa jurídica):

Art. 49. Considera-se empresário:

I – a pessoa natural que explora profissionalmente uma empresa; e

II – a sociedade que adota qualquer um dos tipos referidos no artigo 184 deste Código.

Ao abrir espaço para o critério formal, o texto quebra a tradição do Direito Comercial brasileiro, que sempre se pautou pela adoção do critério material – salvo casos específicos, como o do exercente de atividade rural. A inovação buscaria, segundo a exposição de motivos, “evitar critério que possa gerar dúvidas acerca da submissão de determinado sujeito de direito à legislação comercial”.

Para os críticos da proposta, contudo, o efeito seria o contrário: a opção por uma definição bipartida afetaria a segurança jurídica, pois no dinamismo das relações empresariais e negociais, seria altamente complicado contratar considerando a existência de dois regramentos distintos.

E mais: ao definir empresário no artigo seguinte, o texto original do anteprojeto dispunha que “empresário é o regularmente registrado no Registro Público de Empresas”, excluindo assim do âmbito de incidência do novo Código uma vasta gama de sociedades empresárias informais. Sensível aos contrapontos apresentados enquanto o anteprojeto ainda era discutido, a comissão acrescentou ao dispositivo o vocábulo “formal”:

Art. 50. Empresário formal é o regularmente registrado no Registro Público de Empresas.

O problema, contudo, parece continuar de pé: se não são reconhecidas como sociedades empresárias, tal qual expresso no art. 49, II, e corroborado no rol taxativo dos tipos societários trazido pelo art. 184, de que adianta receberem o nome de “informal”? Se não são sociedades empresárias, não se aplicam a elas os princípios atinentes às sociedades empresariais “formais”, mormente a limitação patrimonial.

Parece ainda cabível, portanto, a crítica contundente ventilada neste informativo pelo prof. Erasmo Valladão, que alertava que em um país “de analfabetos jurídicos”, mas que também poderíamos chamar de país da informalidade, responsabilizar diretamente – e não subsidiariamente, “como corretamente o faz o Código Civil atual” – todos os sócios de uma sociedade em comum (nome usado pelo CC para o que o novo Código Comercial chama de informal) e não apenas aquele que contratou pela sociedade (art. 990 do CC) é penalizar gratuitamente “o pobre coitado que assinou um contrato de sociedade que não foi registrado”, sujeitando-o a responder diretamente perante os credores, antes mesmo da excussão do patrimônio especial, do qual os sócios são titulares em comum (art. 988 do CC).

É também, acrescente-se, deitar fora toda uma construção doutrinária e jurisprudencial apta a identificar nos fatos (critério material) a existência de uma sociedade empresarial.

Fonte: Migalhas

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