Grupos econômicos e execuções fiscais

Não é a caracterização do grupo econômico em si que enseja a responsabilização solidária, mas o abuso da personalidade jurídica.

No atual panorama de crise econômica, no qual cresce o inadimplemento de obrigações tributárias, uma empresa pode correr o risco de sofrer execuções fiscais mesmo se estiver com as contas em dia. Isso porque as procuradorias das Fazendas Públicas recorrentemente realizam pedidos de redirecionamento de execuções fiscais do CNPJ devedor para outras empresas do mesmo grupo.

A esse respeito, há controvérsia na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a necessidade de instauração do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ) para o redirecionamento da execução fiscal. Há decisões em ambos os sentidos – pela incompatibilidade entre o IDPJ e a Lei de Execuções Fiscais, e pela obrigatoriedade do IDPJ em determinadas circunstâncias.

Não é a caracterização do grupo econômico em si que enseja a responsabilização solidária, mas o abuso da personalidade jurídica.

A unificação de um entendimento é fundamental para assegurar maior segurança jurídica e também porque o IDPJ garante ao contribuinte o direito ao contraditório e à ampla defesa em relação à execução fiscal redirecionada, bem como a suspensão do processo executivo.

Embora ainda se aguarde a consolidação da jurisprudência, é possível extrair pontos de referência que podem orientar os contribuintes a partir da análise das decisões mais recentes do STJ sobre o tema.

Primeiramente, o fato de pessoas jurídicas pertencerem a um mesmo grupo econômico, por si só, não autoriza a cobrança do crédito tributário, inadimplido pelo devedor original, contra outras empresas do mesmo grupo.

O IDPJ é descabido nos casos em que a pessoa jurídica para a qual se pretende redirecionar a execução consta na Certidão de Dívida Ativa (CDA). Mesmo que não conste no título executivo, ainda assim é descabido o IDPJ desde que o Fisco efetivamente demonstre a responsabilidade do novo devedor com base nos artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional (CTN).

Em casos não enquadrados nas referidas hipóteses, o redirecionamento depende da comprovação de abuso de personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Nesse caso, segundo decisões recentes do STJ, é imprescindível a instauração do IDPJ da pessoa jurídica devedora. Ressalte-se que com a abertura do incidente, recai sobre o Fisco o ônus de comprovar eventual abuso de personalidade.

Se o caso não se enquadrar em quaisquer das hipóteses acima, remanesce possibilidade de redirecionamento da execução fiscal com fundamento na responsabilidade solidária do art. 124 do CTN, baseada no “interesse comum” das partes.

Sobre isso, há dois aspectos que merecem destaque. O conceito de interesse comum pressupõe interesse jurídico das partes no fato gerador do tributo, e não meramente econômico, razão pela qual não se admite a responsabilização unicamente em virtude de se integrar o mesmo grupo e eventualmente se beneficiar economicamente de determinada situação praticada por outra empresa do grupo. Por interesse comum, portanto, entende-se a prática do fato gerador conjuntamente pelas empresas, ou a participação efetiva de ato fraudulento que tenha gerado economia tributária para uma das empresas.

Sendo assim, os grupos econômicos regulares, em que se respeita a personalidade jurídica das sociedades integrantes, mantendo-se sua autonomia patrimonial e operacional, não podem sofrer a responsabilização solidária do art. 124 do CTN.

Desta feita, não é a caracterização do grupo econômico em si que enseja a responsabilização solidária, mas o abuso da personalidade jurídica. Isso, inclusive, foi expressamente consignado no art. 50 do Código Civil, que foi alterado recentemente para detalhar as hipóteses de desconsideração de personalidade jurídica de devedor.

A outra hipótese do art. 124 do CTN diz respeito à existência de norma legal expressa que atribua responsabilidade tributária a terceiro vinculado ao fato gerador. Nesse caso, não há maiores discussões, já que o devedor a quem a execução é redirecionada está expressamente vinculado ao fato gerador desde o nascimento da obrigação tributária.

Portanto, é possível interpretar, a partir da jurisprudência do STJ, que o redirecionamento de execução fiscal a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico da sociedade originalmente executada, independe da instauração do IDPJ caso: (a) a pessoa jurídica objeto do redirecionamento conste da CDA; (b) comprovadamente verifique-se uma das hipóteses de responsabilização de terceiros (artigos 134 e 135 do CTN); (c) a pessoa jurídica tenha interesse comum no fato gerador (i.e., interesse jurídico), juntamente à empresa devedora (artigo 124, I, do CTN), e (d) exista norma expressa atribuindo responsabilidade tributária ao terceiro (artigo 124, II, do CTN).

Nas demais hipóteses, a Corte tem manifestações no sentido de que o IDPJ é compatível com a execução fiscal, devendo ser aplicado subsidiariamente de modo a permitir ao contribuinte o exercício do contraditório e da ampla defesa de maneira menos gravosa, bem como restringindo o redirecionamento de execução fiscal apenas após comprovado abuso de personalidade da pessoa jurídica devedora.

FONTE: Valor Econômico – Por Daniel Zugman e Frederico Bastos – 05/10/2020.

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