Um decreto do governo do Rio de Janeiro (Decreto 46.902/20), que entra em vigor em março deste ano, permite ao Fisco do estado requisitar informações financeiras de sócios e administradores das empresas que estiverem sendo fiscalizadas ou que forem rés em processos administrativos tributários, sem autorização judicial. As informações são do Valor Econômico.
No Rio, Fisco poderá ter acesso a dados bancários mesmo sem autorização judicial decreto vai além, pois também prevê que sejam solicitadas informações financeiras de terceiros vinculados à empresa investigada.
Os dados em questão serão requeridos às instituições financeiras de quem a empresa alvo do Fisco é cliente.
O decreto estadual pretende regulamentar a Lei Complementar Federal 105/01, que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras. Seu artigo 6º prevê que os dados bancários podem ser acessados pelas autoridades tributárias, desde que haja “processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente”.
A lei teve sua validade desafiada por quatro ações diretas de inconstitucionalidade. O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a constitucionalidade do diploma e reconheceu a prerrogativa da administração tributária de requisitar diretamente às instituições financeiras os dados bancários de seus correntistas para o fim de cobrar-lhes tributos.
O principal entendimento fixado pelo STF foi no sentido de que a lei complementar não permitia a quebra de sigilo bancário, pois as informações apenas transitariam entre os bancos e o Fisco, instituições que são obrigadas a não divulgar os dados a terceiros. Portanto, o sigilo estaria mantido, conforme determina a Constituição.
No entanto, os ministros não consideraram a hipótese de que as informações bancárias de sócios, administradores e terceiros sejam acessadas pelas autoridades administrativas.
Avanço perigoso
O decreto fluminense, no entanto, é expresso. Diz seu artigo 4º:
Poderão ser requisitadas informações financeiras relativas ao sujeito passivo da obrigação tributária objeto do processo administrativo tributário ou do procedimento de fiscalização em curso, bem como de seus sócios, administradores e de terceiros, desde que vinculados, ainda que indiretamente, aos fatos ou ao sujeito passivo, quando sejam consideradas indispensáveis à verificação da existência de infrações à legislação tributária pelo Auditor Fiscal competente.
Assim, em tese, o contribuinte que contratar com empresa em situação irregular poderá ter deus dados bancários devassados pelas autoridades tributárias.
“Além da quebra do sigilo bancário dos sócios, que, por si só, já é ilegítima, isso se agrava, já que o estado do Rio de Janeiro permitiu a quebra de sigilo fiscal em situações de mero erro ou omissão em declarações ou documentos fiscais”, afirma Luiz Gustavo Bichara, sócio do Bichara Advogados.
Para o advogado, qualquer divergência de entendimento sobre a tributação de alguma operação ou uma falta singular pode permitir uma autêntica devassa nas contas bancárias das empresas e de sócios, administradores ou terceiros. “É um cheque em branco para fiscalizações arbitrárias e um desprezo absoluto pelo sigilo fiscal”, diz.
A Secretaria de Fazenda do Rio de Janeiro, em nota, afirma que a lei complementar “não estabelece impedimentos para que as informações de sócios administradores e terceiros vinculados direta ou indiretamente aos fatos ou ao sujeito passivo sejam fornecidas às administrações tributárias”.
O decreto do Rio de Janeiro pode ser compreendido em um contexto mais amplo de avanço do Estado sobre as liberdades individuais. No fim do ano passado, o STF decidiu que o empresário que declarar ICMS, mas não o recolher, pode estar incorrendo em conduta criminosa.
Fonte: Consultor jurídico