O Supremo Tribunal Federal decidiu que o não pagamento do ICMS próprio, ainda que devidamente declarado, configura o crime de apropriação indébita.
Nesse contexto, em que pese tenhamos uma posição contrária ao atual entendimento do STF, não pretendemos discutir a posição da mais alta corte do país, mas demonstrar a necessidade de modulação dos efeitos do aludido julgamento, a fim de que este posicionamento só seja aplicado daqui para frente.
A possibilidade de modulação dos efeitos das decisões do Supremo Tribunal Federal foi inicialmente prevista no artigo 27 da Lei 9.868/1999, o qual estabelece a possibilidade de restrição dos efeitos da decisão, por maioria de dois terços dos membros do STF, na declaração de inconstitucionalidade, por razões de segurança jurídica e interesse social excepcional.
O parágrafo 3º do artigo 927 do Código de Processo Civil, de maneira mais ampla, estabeleceu que na hipótese de alteração da jurisprudência dominante do STF pode haver a modulação de efeitos.
Do que se pode verificar das notícias veiculadas na imprensa sobre o julgamento[1] do Recurso em Habeas Corpus 163.334, a aludida alteração decorre do julgamento da exclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, uma vez que neste julgamento restou pacificado que o ICMS não representa receita/faturamento da empresa, uma vez que ele só seria repassado aos cofres públicos pelo empresário.
Isso porque o STF, no julgamento do Recurso Extraordinário com repercussão geral 574.706, passou a entender que o ICMS destacado na nota fiscal não representa faturamento da empresa, uma vez que este é pago pelo contribuinte de fato e apenas repassado aos cofres públicos pelo contribuinte de direito.
Antes do aludido julgamento do RE 574.706, prevalecia o entendimento de que o não pagamento do ICMS próprio era fato atípico, na medida em que se configurava apenas o não pagamento do tributo.
A mais disso, o Brasil, como signatário do Pacto de San Rose da Costa Rica, não poderia realizar prisões por dívida.
Não há dúvida que este novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal gerará insegurança jurídica, na medida em que o contribuinte não previa a possibilidade de ser processado criminalmente pelo não pagamento do ICMS próprio.
Isso porque, o contribuinte que deixou de recolher ICMS, antes do julgamento em questão, não tinha, no momento do ilícito, conhecimento que sua conduta poderia constituir crime, ou, como dizem os penalistas, que o fato em questão era típico (previsto na lei penal).
Saliente-se que, conforme estabelece o artigo 30 da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, as autoridades públicas, dentre elas o STF, “(…) devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas jurídicas”.
Nesse sentido, inclusive, é o entendimento do próprio Supremo Tribunal Federal[2]:
(…) os postulados da segurança jurídica e da proteção da confiança, enquanto expressões do Estado Democrático de Direito, mostram-se impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas, inclusive as de direito público, sempre que se registre alteração substancial de diretrizes hermenêuticas, impondo-se à observância de qualquer dos Poderes do Estado e, desse modo, permitindo preservar situações já consolidadas no passado e anteriores aos marcos temporais definidos pelo próprio tribunal.
A mais disso, como houve uma relevante mudança de entendimento jurisprudencial, pela qual um ato passou a ser considerado crime. Havia, quando da ocorrência dos fatos imponíveis, a certeza de que o não recolhimento do ICMS não importaria sanções criminais.
Desta forma, pelo princípio da proteção da confiança, mostra-se necessária a modulação dos efeitos de eventual acórdão que venha a considerar o não recolhimento do ICMS próprio como crime.
Ora, o julgamento em questão, alterou a forma com que o Direito Penal passou a enxergar o não pagamento do ICMS. Assim, a consequência jurídica do ato passa a ser diferente do que o agente esperava, representando uma quebra de confiança.
Sendo assim, é necessária a modulação de efeitos da decisão em comento, por razões de segurança jurídica e proteção da confiança.
[1] BARCELO. Joice. Maioria no Supremo considera crime não pagar ICMS declarado. Valor Econômico. Brasília. 13/12/2019. https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2019/12/18/stf-decide-que-deixar-de-pagar-icms-declarado-e-crime.ghtml
[2] FILHO, Carlos Mário Velloso. Modulação dos efeitos das decisões do STF e do STJ. 19/02/2018. Migalhas https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI274538,41046-Modulacao+dos+efeitos+das+decisoes+do+STF+e+do+STJ. Acessado em 16/12/2019.
Thiago Matheus Beja Fontoura da Silva é advogado da área tributária do Salusse, Marangoni, Parente, Jabur Advogado, bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributário e pós-graduando em Direito Processual Civil pela Escola Superior de Magistratura.
Fonte: Revista Consultor Jurídico