Ao publicar nova portaria, PGFN cria etapa no contencioso tributário

Como se sabe, o contencioso tributário no Brasil já é suficientemente complexo e demorado: é geralmente composto de uma etapa administrativa, com até três instâncias de julgamento, que tende a durar entre dois e cinco anos, e uma fase judicial (caso a cobrança tributária subsista após essa primeira etapa), também com três instâncias de julgamento, que pode durar mais de 10 anos para ser concluída. No total, os contribuintes podem ter de esperar até 15 anos, em média, para que uma cobrança tributária seja definitivamente encerrada.

Com a publicação da Portaria PGFN 33, na última sexta-feira (9/2) (Portaria PGFN 33/2018), esse cenário foi ainda mais agravado, pois, na prática, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional acabou por criar mais etapas no contencioso tributário, inteiramente dedicada à discussão administrativa, perante tal órgão, sobre a prestação de garantias e a revisão de aspectos formais das futuras cobranças.

Vale lembrar que, em 9/1/2018, foi editada a Lei 13.606 (Lei 13.606/18), cujo artigo 25 (que acrescentou os artigos 20-B a 20-E à Lei 10.522/02) instituiu um novo procedimento chamado de “averbação pré-executória”, por meio do qual a PGFN foi autorizada a fazer o bloqueio de bens de devedores inscritos na Dívida Ativa da União sem a necessidade de ordem ou autorização do Poder Judiciário.

Com efeito, a Portaria PGFN 33/18 se dispôs a disciplinar esse novo procedimento, mas se aproveitou também para tratar de outras questões administrativas e, assim, estabelecer diversos novos procedimentos, tais como o chamado “oferecimento antecipado de bens e direitos à penhora”.

A título de exemplo, note-se que a Portaria 33/18 estabelece que, após inscrito o débito em dívida ativa, o devedor será notificado para, (i) em até cinco dias, efetuar o pagamento ou parcelamento do valor do débito, ou, (ii) em até 10 dias, ofertar antecipadamente garantia ou apresentar o chamado Pedido de Revisão de Dívida Inscrita (PRDI).

Tanto a possibilidade de antecipação de garantia quanto o procedimento do PRDI não estão previstos no artigo 25 da Lei 13.606/18 ou em qualquer lei federal, mas, ainda assim, a Portaria PGFN 33/18 estabeleceu um complexo contencioso para esses dois procedimentos, que envolvem até a possibilidade de apresentação de impugnações e recursos administrativos. E tudo isso entre o término da etapa administrativa e antes do início da etapa judicial do contencioso tributário federal.

Nesse ponto, se o artigo 25 da Lei 13.606/18, que criou a possibilidade de tornar os bens do contribuinte indisponíveis antes mesmo de qualquer decisão judicial, já era ele próprio questionável, especialmente em face de garantias constitucionais como o direito de propriedade, à ampla defesa, e ao devido processo legal, pode-se dizer que a Portaria PGFN 33/18 vai além, pois operacionaliza procedimentos de constrição patrimonial de maneira não prevista em lei, bem como efetivamente regulamenta a aplicação de uma série de dispositivos legais de maneira unilateral, sem apoio em legislação específica.

São tantos os novos procedimentos que foram inaugurados pela Portaria PGFN 33/18 que já é possível dizer que há uma nova etapa no contencioso tributário; isto é, uma etapa intermediária, entre a etapa administrativa e judicial, na qual o contribuinte já terá de enfrentar a cobrança do débito tributário antes mesmo de ajuizada a respectiva execução fiscal.

Mais grave, ao longo de toda essa etapa, o contribuinte poderá sofrer atos de constrição patrimonial, ou mesmo participar de disputas acerca da suficiência ou adequação de garantias (que serão, em última medida, relevantes justamente em processos judiciais), sem a interferência ou mediação do próprio Poder Judiciário, dado que deverão ocorrer antes mesmo do ajuizamento das ações de execução fiscal nas quais deveriam ser processadas, nos termos da Lei 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais).

Essa nova dinâmica regulamentada pela PGFN essencialmente subtrai uma parcela relevante dos procedimentos previstos na Lei 6.830/80 do crivo e amparo do Poder Judiciário, deixando o contribuinte, na qualidade de devedor, a mercê de uma negociação não supervisionada junto ao seu credor (que, aliás, já goza de consideráveis prerrogativas especiais, tais como a possibilidade de criação de seu próprio título executivo, bem como instrumentos de cobrança extrajudiciais bastante efetivos, como é o caso da negativa de emissão das indispensáveis certidões de regularidade fiscal, protesto em cartório, inclusão no Cadin, entre outros).

Nesse sentido, é importante ressaltar que já existem três ações diretas de inconstitucionalidade1 ajuizadas para discutir a constitucionalidade do artigo 25 da Lei 13.606/2018, na parte que concedeu o direito à Fazenda Nacional de, unilateralmente, tornar indisponíveis os bens dos contribuintes, por meio da simples averbação da certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto e penhora. Caso o Supremo Tribunal Federal julgue uma dessas ações procedentes, ao menos a parte da Portaria PGFN 33/18 referente ao procedimento de averbação pré-executória da inscrição em dívida ativa será tida por inconstitucional e, consequentemente, sem efeitos.

Sem prejuízo disso, os contribuintes devem estar muito atentos com os seus débitos tributários federais para evitar surpresas com limitações de direitos inerentes à suas atividades habituais e, até mesmo, a indisponibilidade dos seus bens.


1 Ações Diretas de Inconstitucionalidade 5.881, 5.886 e 5.890.

 

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 13 de fevereiro de 2018.

 

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