A Receita Federal pode cobrar parte de autuação fiscal que for mantida pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) mesmo antes do fim do julgamento de todo o processo. O entendimento é da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recurso da Companhia Paranaense de Energia (Copel). A outra fatia do lançamento fiscal contra a empresa aguarda análise da Câmara Superior do Carf. O julgamento está marcado para amanhã.
Apesar de ainda caber recurso, a decisão do STJ é vista como um “precedente perigoso” por advogados. O entendimento traz risco para as empresas porque avaliam que as decisões do Carf ficaram muito mais favoráveis à Fazenda Nacional depois da Operação Zelotes. E consideram que, por causa da crise, poucos contribuintes têm condições financeiras de apresentar garantias para levar questões ao Judiciário.
A discussão da Copel envolve cobrança de Cofins sobre receitas com energia elétrica. Depois de uma vitória da companhia na Justiça, a Fazenda propôs uma ação rescisória e conseguiu reverter a situação. A derrota levou a empresa ao Carf para discutir multa e juros.
Falta definir agora se a Copel deve pagar multa e juros desde 1996, quando deixou de recolher a contribuição, ou somente a partir de 2010, quando não cabia mais recurso contra a ação rescisória (trânsito em julgado). Em relação ao período posterior a 2010, a Copel perdeu a discussão e seu recurso não foi aceito pela Câmara Superior. Quanto ao intervalo anterior, a decisão foi favorável. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), porém, recorreu.
Enquanto aguarda a definição, a Receita, pelo entendimento do STJ, poderia iniciar a cobrança. A decisão da 2ª Turma foi unânime, conforme o voto do relator, Herman Benjamin. Em sessão realizada na semana passada, o ministro Mauro Campbell acompanhou a manifestação em seu voto-vista. Para ele, o pedido da Copel para impedir a cobrança, enquanto parte da autuação ainda é discutida no Carf, contraria o artigo 43 da Lei nº 9.430, de 1996. O dispositivo permite a exigência apenas de multa ou juros de mora, isolada ou conjuntamente, nos processos tributários.
Mas a decisão representa um risco para a própria Fazenda, segundo o advogado que representa a Copel no processo, James José Marins de Souza, do Marins Bertoldi Advogados Associados. Para ele, com a cisão, o prazo de prescrição da cobrança começará a ser contado mais cedo, a partir do momento em que o recurso do contribuinte não for conhecido. “Centenas de processos podem começar a prescrever. Isso vai ser um prato cheio para tributaristas”, diz ele, que aguarda o acórdão para decidir se irá recorrer da decisão do STJ.
A procuradora Lana Borges também espera pelo acórdão para avaliar se a prescrição pode se tornar uma preocupação para a PGFN. “Se o entendimento for de obrigatoriedade do desmembramento [da autuação], em um futuro julgamento poderemos ter que ficar atentos à prescrição”, afirma.
Os advogados, em geral, são contra o desmembramento antes do trânsito em julgado administrativo. “A cisão é ilegal. Ofende a proporcionalidade e o direito de defesa porque só beneficia o Fisco”, afirma Tiago Conde, do Sacha Calmon, Misabel Derzi Consultores e Advogados.
Há liminares que permitem a cisão, mas essa é a primeira decisão do STJ da qual se tem notícia. E, com base nela, empresas em situação semelhante à da Copel no Carf correm o risco de serem cobradas pelo Fisco. Um recurso especial da Amazonas Distribuidora de Energia sobre PLR não foi conhecido, por exemplo. Mas a Câmara Superior aceitou o recurso da PGFN em relação à retroatividade benigna na aplicação de penalidades. “Nesse caso, o valor integral da PLR pode ser executado, com base na decisão do STJ”, diz Conde.
Para Flávio Carvalho, do Schneider Pugliesi e Sztokfisz Advogados, é preocupante a forma que a administração pública poderá adotar para colocar em prática esse entendimento. “Apesar de o Decreto nº 70.235, de 1972, permitir a cisão, a administração não seguia esse caminho pelo risco de a parte do processo que foi objeto de recurso poder impactar na que não foi”, diz. “No caso da Copel, por exemplo, se o Carf muda de ideia e decide não ser possível cobrar o tributo, também não seria permitido cobrar a multa.”
Por nota, a Receita afirma que só cobra crédito definitivamente julgado. “A decisão do STJ somente reforça que, sendo acatado recurso parcial, o crédito tributário é apartado e dado prosseguimento à cobrança da parte definitivamente julgada”, diz. O Fisco informa desmembrar os autos com base no Decreto 70.235. “Até em teses de mais difícil operacionalização, como o caso da incidência de juros de mora sobre multa de ofício, é possível desmembrar e cobrar a parte incontroversa.”
Fonte: Valor