Nem tudo o que se produziu nos últimos tempos, no governo e Congresso Nacional, são trevas, pois é possível garimpar boas notícias vindas da capital federal. E uma delas é a recente promulgação da Lei Complementar (LC) nº 151, que autoriza a utilização de 70% dos depósitos judiciais para pagamento dos precatórios, sendo que os 30% restantes ficarão mantidos num fundo de reserva.
Justiça há de ser feita ao governo do Rio de Janeiro pela edição de sua Lei Complementar nº 147, de 2013, que autoriza aquele Estado a utilizar 25% dos depósitos judiciais para o pagamento dos precatórios. E, provavelmente, foi esta inovação a fonte inspiradora da auspiciosa lei federal.
Com os recursos dos depósitos judiciais autorizados pela lei de 2013, o Estado do Rio pôde, já no ano de 2014, quitar todos os seus precatórios pendentes.
Agora, com a perspectiva de se liberar bilhões de reais, podemos ter até uma melhora na combalida economia
Na esteira da legislação federal, o Estado de São Paulo, editou o Decreto nº 61.460, de 2015, publicado no fim do mês de agosto, pelo qual regulamenta a aplicação da Lei Complementar nº 151, estabelecendo que os bancos oficiais disponibilizem os 70% dos depósitos judiciais em que a Fazenda estadual e as autarquias sejam partes, para pagamento prioritariamente dos precatórios.
Agora, com o advento dessa Lei Complementar nº 151, as esperanças dos cansados credores de precatórios foram renovadas, pois, segundo estima-se, cerca de R$ 21 bilhões poderão ser liberados para pagamento dos precatórios estaduais e municipais e, a partir do próximo ano, algo em torno de R$ 1,6 bilhão anual.
Essa luz no fim do túnel começou a surgir após o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), no ano de 2013, que pôs fim ao ciclo de moratórias iniciado na Constituição de 1988, com prazo de oito anos, a segunda, no ano 2000, com o advento da Emenda Constitucional (EC) nº 30, que estabeleceu prazo de dez anos, e, por fim, a Emenda Constitucional (EC) nº 62, de 2009, que instituiu o prazo de 15 anos.
Sobre essa última moratória instituída pela EC 62, de 2009, vale dizer que a sociedade civil organizada, capitaneada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), uniu forças e foi bater à porta do STF para pedir um “basta”. E o STF recebeu essa ação direta de inconstitucionalidade (Adin) nº 4.357, e, no ano de 2013, julgou inconstitucional essa última moratória.
Como esse julgamento teria reflexo nos casos antes julgados, em maio de 2015, o STF modulou os efeitos da sua decisão, que implicou na concessão de cinco anos de prazo, a partir de 1º de janeiro de 2016, para os governos quitarem os precatórios. E o outro efeito da modulação foi a paradoxal aplicação do efeito ex nunc, convalidando todos os atos praticados com base da EC 62 julgada inconstitucional.
Essa questionada convalidação dos atos praticados à luz da EC 62 resultou numa perda de aproximadamente 25% dos valores dos precatórios. Isso por conta da aplicação dos índices das cadernetas de poupança a partir da promulgação da Lei Federal nº 11.960, de 2009 – em afronta às sentenças judiciais transitadas em julgado.
Mas com esse histórico julgamento da Adin 4.357 – que deu um basta ao ciclo de moratórias constitucionais -, os governantes, temendo pelas finanças públicas, resolveram seguir o exemplo do Estado do Rio. Daí a origem da festejada LC 151, que passa a ser a solução para um problema crônico de décadas dos Estados e municípios, que gerou passivos de aproximadamente R$ 100 bilhões, dívida antes ocultada da contabilidade pública.
Agora, com a perspectiva de se liberar bilhões de reais para pagamento dos credores dos precatórios, com a irrigação desses recursos que estavam parados nos bancos oficiais, podemos ter até uma melhora na combalida economia. Mas o melhor de tudo é que essa lei venha restaurar e pôr fim ao grande problema da inadimplência das dívidas judiciais dos governos, resgatando o respeito à Constituição e ao estado democrático de direito.
Sobre os críticos dessa alvissareira LC 151, que usam o argumento de que a utilização dos 70% dos depósitos judiciais poderia comprometer a devolução dos valores depositados aos vencedores das demandas contra o Poder Público, ousamos discordar, pois a experiência do Estado do Rio mostrou que isso não irá ocorrer. Até porque a LC 151, em seu artigo 3º, parágrafo 3º, cria um fundo de reserva de 30% que fará frente a esses resgates, repondo os depósitos toda vez que a Justiça determinar a devolução à parte depositante. Portanto, esse argumento só teria cabimento se a Justiça determinasse a devolução de todos os depósitos de uma única vez às partes, o que é hipótese impossível.
Com efeito, devemos saudar essa nova lei federal que certamente irá disponibilizar os recursos necessários para os pagamentos dos precatórios. E oxalá queira que os prefeitos e governadores não burlem a lei com manobras que venham a inverter as prioridades de pagamentos, relegando os precatórios como sempre o fizeram. A conferir.
Fonte: Valor Econômico