Repercutiu na mídia recentemente a propositura de mais de 5 mil ações por parte o Ministério Público Eleitoral de São Paulo (MPE-SP). As ações têm um único objeto: penalizar as empresas por doações – teoricamente – acima do limite legal de 2% sobre o faturamento bruto do ano anterior à eleição.
Não obstante as diversas questões que envolvem cada caso específico, como diferenciação entre receita e faturamento, receitas de empresas holding patrimoniais, participação em sociedades em conta de participação, entre outros; há um ponto que parece ser comum a todas elas: a forma pela qual o MPE obteve a informação, junto à Secretaria da Receita Federal (SRF), desta extrapolação dos limites de doações.
Basicamente o procedimento de obtenção dos dados ocorre da seguinte forma: embasado em uma Resolução do TSE (nº 23.406/14), a SRF cruza os dados (valores) de cada empresa que efetivou doações eleitorais – que são informações públicas -, com seu banco de dados que contêm as declarações de Imposto de Renda de cada uma das empresas (ou pessoas físicas) do Brasil, estas de caráter sigiloso.
Com base neste cruzamento indiscriminado, apura quais empresas teriam extrapolado o limite legal. Assim, a SRF encaminha uma listagem para a Justiça Eleitoral e para o MPE com o número do CNPJ e o nome de cada empresa infratora.
Com base nesta listagem, o Ministério Público Eleitoral propõe uma representação (ação) na Justiça Eleitoral requerendo, somente neste momento, uma decisão judicial para autorizar a quebra do sigilo fiscal do potencial infrator e posterior condenação nas penas previstas na lei.
O ponto central da discussão é saber se o cruzamento indiscriminado de dados públicos com dados sigilosos para se buscar eventuais infratores constitui ou não quebra do sigilo fiscal que deve ser precedido de decisão judicial, ou seja, se é ou não lícita tal prática.
O Tribunal Superior Eleitoral por vezes se manifestou no sentido da legalidade do procedimento. A corte considerou que “ao Ministério Público ressalva-se a possibilidade de requisitar à SRF apenas a confirmação de que as doações feitas pela pessoa física ou jurídica à campanha eleitoral obedecem ou não aos limites estabelecidos na lei”. Ou seja, o TSE entende que o mero cruzamento das informações pela SRF sem o envio ao MPE de quaisquer valores não caracteriza quebra de sigilo fiscal do contribuinte.
Contudo, este procedimento de cruzamento de dados realizado pela SRF e posterior envio ao MPE para a propositura das respectivas ações, constitui infração ao sigilo fiscal constitucionalmente assegurado. Neste sentido, vale destacar que há muito o STF considera que a própria autorização de quebra do sigilo bancário, para poder ser validamente apreciada, seja minuciosamente fundamentada e ainda limitada.
E também merece apontamento o entendimento do STF de que o pedido de quebra, além de delimitado, deve vir justificado, com a clara indicação de causa provável, afastando assim qualquer espécie de pedido que possa ser caracterizado como devassa. Aliás, o próprio STF já teve a oportunidade de se manifestar e veementemente repudiar a prática de solicitações de quebra de sigilo genéricas contra pessoas indeterminadas. O STF já analisou, inclusive, se a simples remessa de uma lista com os nomes dos depositantes, sem valores, seria quebra de sigilo. Os ministros entenderam que sim.
Com efeito, as lides eleitorais guardam total semelhança com este caso, pois o envio pela SRF da listagem com os nomes das empresas infratora após o cruzamento indiscriminado com informações sigilosas configura verdadeira devassa exploratória, veementemente inadmitida por nosso ordenamento jurídico.
Situação análoga é a conhecida no direito americano como “fishinge xpedition” onde, sem qualquer indício da prática de algum ilícito, o órgão acusador busca, indiscriminadamente, coletar algo contra alguém. É possível destacar ainda posicionamento do TRE-DF, que considerou provas ilícitas em caso semelhante.
O juiz federal Sérgio Fernando Moro, já se posicionou, em 2005, na imprensa, que é preciso ter cuidado para usar os métodos modernos de investigação de forma racional. Na ocasião, ele entendia que não se pode sair por aí quebrando sigilos bancários, fiscais e telefônicos indiscriminadamente, o que pode comprometer a eficiência das investigações.
Nunca é demais lembrar, de toda a forma, que posterior quebra de sigilo autorizada judicialmente não tem como validar o procedimento, pois, como sabemos, não existe convalidação de prova obtida de forma ilícita. Assim, toda a prova realizada no processo é nula, pois são os conhecidos frutos da árvore envenenada.
Por estes motivos, a prova obtida pelo MPE por meio do cruzamento de dados da SRF, entre dados sigilosos e dados públicos, sem prévia autorização judicial, viola a garantia ao sigilo fiscal, e é contrária a diversos entendimentos do STF acerca de questões semelhantes.
Fonte: Conjur