As notas de risco para investimento no Brasil estão contaminadas pelo escândalo de corrupção na Petrobras e agora também no CARF – Tribunal administrativo de impostos federais. Inflação, aumento do desemprego, queda do valor das ações, contabilidade tóxica e governança ruim são sintomas de crise e instabilidade na infraestrutura político- econômica do país.
Os números são bilionários, mas será possível que exista outro “malfeito” para piorar nossa imagem no horizonte das contas públicas, com desrespeito flagrante às leis e ao Judiciário? Sim.
No passado, o Congresso Nacional aprovou três moratórias para as dívidas judiciais governamentais: 8 anos em 1.988, 10 em 2.000 e 15 em 2.009, todas fracassadas. Você continuaria investindo num país que não contabiliza nem cumpre ordens judiciais de pagamento e ainda deve mais de R$ 100 bilhões depois de 33 anos de calote?
Em 2.013, o STF finalmente declarou inconstitucional o uso da ferramenta moratória para gestão dos fluxos de caixa públicos. As consequências práticas para o estoque do passado (e sinalização para o presente e futuro) ainda dependiam da chamada “modulação”, mas agora a nossa Corte Suprema fixou diretrizes para União, estados e municípios, “dando” mais 5 anos para transição sob moratória declarada inconstitucional.
Um Procurador do Pará declarou que tais 5 anos até eram “razoáveis” no cenário de 2.013, mas hoje não mais funcionariam. O Prefeito de SP, Governadores de RS, ES, Piauí, Associação Brasileira de Municípios e outras autoridades, inclusive o governo federal, informam que jamais poderão cumprir este prazo e já se movimentam para aprovar uma nova Proposta de Emenda Constitucional no Congresso (PEC).
O STF também “legislou” contra os credores de precatórios estaduais e municipais, ao condenar seus créditos à correção por TR, por vários anos, ao invés do IPCA-e previsto para as dívidas federais (Nota – a AGU peticionou no STF solicitação para que a medida seja estendida também para os precatórios federais).
Resultado: um confisco sem previsão constitucional originária, causando perdas aproximadas de R$ 35 bilhões para milhões de credores, pecando contra as decisões do próprio Poder Judiciário, e as garantias pétreas de isonomia, coisa julgada e, não esqueçamos, direitos humanos.
Sem dinheiro e espaço para aumento da carga tributária; servidores, aposentados e credores na porta pedindo reajuste e pagamentos atrasados; necessidades gigantescas de investimento para infraestrutura física, a conclusão fácil, sem parecer técnico, apontou para mais esta prorrogação unilateral de pagamentos.
Mas como conviver com mais uma moratória, agora batizada/maquiada “de transição”, envergonhada e sabidamente natimorta, que poderá ser a pá de cal, a gota d’água na imagem do país, consagrando a inadimplência financeira e a insegurança jurídica como padrão Brasil de administração pública?
Alternativas podem ser estudadas? Sim. Ainda existe apetite para aplicações de risco no país (até pela carência de opções com estabilidade política, juros e dólar altos, ausência de terrorismo, conflitos étnicos e religiosos, etc) mas qualquer plano deverá conciliar, de um lado, o caixa curto e necessidades de investimento dos governos, e, de outro, a visão do mercado, atraindo recursos para infraestrutura física.
Entre outras soluções, os precatórios poderiam ser trocados por títulos federais de longo prazo, lastreados pela transferência de 3 a 4% da receita mensal líquida de estados e municípios, que seriam transferidos a União, mecânica hoje prevista na Emenda Constitucional 62.
O dinheiro oriundo dessa transferência seria obrigatoriamente investido em fundos de infraestrutura, que renegociariam as dívidas com carência e prazo longo para estados e municípios devedores. O risco federal soberano possibilitaria a monetização desses títulos oriundos de precatórios no mercado privado e o dinheiro finalmente seria investido em aeroportos, estradas, usinas, hospitais, presídios, aterros sanitários, parques, etc.
Os donos originais dos precatórios optariam por segurar ou vender seus títulos, os estados e municípios teriam 20 anos para pagar suas dívidas judiciais, a infraestrutura seria turbinada, o “funding” seria totalmente privado e o Brasil não daria o vexame de um novo calote.
Os fundos de infra e a União estariam garantidos contra calotes de estados e municípios pelas já mencionadas transferências de 3 a 4% das receitas líquidas e adicionalmente pela retenção dos repasses constitucionais.
Uma opção óbvia já praticada é um programa de compensação tributária: precatórios pagando dívida ativa. Bilhões foram saneados no ativo e passivo do Rio de Janeiro. Credores por serviços, obras, desapropriações poderiam aceitar dívida ativa como pagamento (e posterior terceirização de cobrança ou revenda).
Nesse sentido, os pagamentos por “moeda precatório” envolveriam imóveis públicos ociosos, participações em empresas, planos de aposentadoria, casa própria, financiamentos de bancos estatais, reservas técnicas de seguradoras e bancos, garantias em concorrências públicas e Parcerias Público-Privadas, etc.
Agora, para qualquer solução, os valores, credores e devedores públicos, precisam ser conhecidos, registrados, com informação pública. Existem centenas de milhares de processos questionando índices de atualização e juros, sem falar no golpe de foice recente do confisco aprovado pelo STF. O mais razoável seriam critérios idênticos para as dívidas públicas ativas e passivas, por aprovação do Congresso. Na dúvida, uma câmara de conciliação poderia intervir.
Existe precedente para esta securitização (transformação de direitos creditórios em títulos autônomos e transferíveis): os Títulos da Dívida Agrária (TDAs) emitidos para pagamento de desapropriações, que podem ser moeda para quitação de Imposto Territorial Rural. Nada mais parecido com os precatórios.
O mercado de TDAs era desorganizado, com fraudes, pouco controle sobre cessões, penhoras, algo selvagem. O próprio governo federal identificou a Cetip, integradora do mercado financeiro, que pôs ordem na casa, com aval do Tesouro Nacional e atuação histórica de sucesso. Problema resolvido.
Credores e devedores têm interesses comuns e devem ser aliados neste esforço de solução, exigindo a intervenção e garantias da União para reestruturação (não confundir com assunção de dívidas).
O foro do tema deixou de ser o universo jurídico e deve necessariamente passar para o político-econômico-financeiro. O momento é agora, a modulação pelo STF aprovada e’ problemática é injusta, o Congresso não pode aprovar nova moratória, os credores de precatórios estão exauridos e o Brasil não deve enviar mais uma mensagem negativa ao mundo civilizado.
Trabalhemos para que o bom senso e profissionalismo prevaleçam acima da demagogia, mesmice e mediocridade na condução do pagamento de dívidas legítimas verificadas na Justiça. Não existem Democracia, justiça social e economia saudável sem segurança jurídica.
Uma sociedade moderna não pode conviver com o autoritarismo emblemático do Governador de Mato Grosso dirigindo-se aos credores correntes do Estado: quem não der os descontos exigidos unilateralmente pela administração, tem como única alternativa o precatório, ou seja, entrar na lenta máquina de cobrança do Judiciário, com resultados duvidosos e a longo prazo.
Conclui-se que interessa aos administradores públicos caloteiros que a Justiça continue ineficiente, com orçamento e nomeações para Tribunais Superiores dependentes do Executivo.”
Fonte: Consultor Jurídico