Subtraído o montante que exceder o teto ou subteto previstos no art. 37, XI, da CF, tem-se o valor que serve como base de cálculo para a incidência do imposto de renda e da contribuição previdenciária (“XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos”). Essa a conclusão do Plenário, que negou provimento a recurso extraordinário em que discutida a definição do montante remuneratório recebido por servidores públicos, para fins de incidência do teto constitucional. No caso, servidores públicos estaduais aposentados, vinculados aos quadros do Executivo local, pretendiam que seus proventos líquidos fossem limitados ao subsídio bruto do governador. O Colegiado registrou, preliminarmente, que a aplicação do redutor da remuneração ao teto remuneratório, conhecido como “abate-teto”, previsto no art. 37, XI, da CF e alterado pela EC 41/2003, seria objeto de outros recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida. No entanto, o caso em exame seria distinto dos demais, porque a matéria não seria relacionada à submissão de determinadas parcelas remuneratórias ao teto, mas à definição da base remuneratória para a aplicação do teto: se o total da remuneração ou se apenas o valor líquido, apurado depois das deduções previdenciárias e do imposto de renda. A respeito, reputou que a EC 19/1998 modificara o sistema remuneratório dos agentes públicos, com a criação do subsídio como forma de remunerar agentes políticos e certas categorias de agentes administrativos civis e militares. A expressão “espécies remuneratórias” compreenderia o subsídio, os vencimentos e a remuneração. A fixação de limites e tetos para a remuneração de agentes públicos seria um dos mecanismos usados para tolher abusos, na medida em que poucos servidores perceberiam vencimentos muito acima da média do funcionalismo, enquanto os demais seriam mal remunerados. Assim, qualquer tipo de remuneração dos servidores deveria sujeitar-se ao teto remuneratório, além de proventos e pensões, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza.
O Tribunal enfatizou, no que se refere ao termo “remuneração”, que a legislação lhe daria sentidos diversos, de caráter mais amplo ou mais restrito. Numa acepção mais extensiva, remuneração seria a designação genérica dada à totalidade de valores pecuniários recebidos pelo servidor, ativo ou inativo, como retribuição pelo exercício do respectivo cargo público. Em caráter mais restrito, remuneração seria o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei. Dessa forma, definido que a remuneração constituiria os valores recebidos como contraprestação pelos serviços prestados à Administração e que o subsídio seria a remuneração paga aos agentes políticos e aos membros de Poder em parcela única — ambos compreendendo o valor total previsto para o cargo —, de acordo com o art. 37, XI, da CF, o teto remuneratório deveria incidir sobre o montante integral pago ao servidor, ou seja, sobre sua remuneração bruta. Nos termos da redação constitucional, o redutor teria aplicação sobre a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da Administração direta, autárquica e fundacional. Essa conclusão seria reforçada, inclusive, pelo fato de que o parâmetro para a incidência do limite remuneratório — o subsídio dos Ministros do STF — seria verificado em sua totalidade, sem quaisquer descontos, e não seria razoável realizar a comparação para fins de redução com o valor líquido a ser recebido pelo servidor. Seria necessário, portanto, comparar valores da mesma ordem: valor bruto com valor bruto, para, em seguida, aplicar os descontos devidos. Se assim não fosse, dar-se-ia à norma do limite remuneratório exegese mais elástica do que se permite, uma vez que a imposição do teto remuneratório teria também entre seus propósitos hierarquizar o serviço público, de forma a evitar distorções como a do subordinado que percebesse mais do que seu superior máximo. Portanto, as deduções de imposto de renda e de contribuições previdenciárias deveriam incidir após a aplicação do “abate-teto”. Além disso, aplicar o redutor remuneratório após as deduções devidas afrontaria o princípio da capacidade contributiva (CF, art. 145, § 1º). Por outro lado, o art. 43 do CTN dispõe que o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza teria como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda e de proventos de qualquer natureza. Nessa linha, imposto de renda somente poderia incidir quando ocorresse acréscimo patrimonial. Não se poderia considerar, para fins de incidência tributária, os montantes não percebidos em virtude da aplicação do teto constitucional. Essas verbas não adentrariam o patrimônio dos servidores e nem seriam por eles usufruídas, de modo que não se poderia cogitar da incidência de tributo sobre elas. Se fosse possível a ultimação dessas retenções em momento anterior à aplicação do “abate-teto”, o Estado faria incidir tributos sobre base econômica não disponibilizada pelo sujeito passivo, em ofensa aos princípios da capacidade contributiva e da vedação da utilização do tributo com efeito de confisco. Nessa hipótese, ao final, o valor pago pelo servidor se daria sobre uma base econômica maior do que aquela efetivamente posta à sua disposição. Assim, o Estado enriqueceria ilicitamente e o contribuinte sofreria decréscimo patrimonial sem causa legítima. Ademais, a retenção do imposto de renda, bem como da contribuição previdenciária, somente poderia ocorrer após a aplicação do teto, de forma a incidir o redutor, portanto, sobre a remuneração bruta do servidor.
O Plenário acrescentou que a discussão sobre a exegese do art. 37, XI, da CF seria antiga no âmbito do STF, que reiteradamente afirmara a autoaplicação dos limites traçados pela EC 41/2003. A expressão “remuneração percebida” não deveria ser lida como o valor líquido da remuneração. Isso porque, em primeiro lugar, o art. 37, XI, da CF seria taxativo ao fixar que a remuneração e o subsídio de servidores públicos não poderiam exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do STF. Em segundo lugar, porque o subsídio mensal pago aos Ministros do STF e adotado como teto máximo para todos os servidores públicos e agentes políticos corresponderia a um valor bruto fixado em lei, sobre o qual incidiria o imposto de renda e a contribuição previdenciária. Entendimento contrário implicaria afronta aos princípios da igualdade e da razoabilidade. Sucede que os próprios Ministros do STF pagariam imposto de renda e contribuição previdenciária sobre o valor integral de seus subsídios, no limite estipulado em lei como teto geral constitucional. Além disso, o princípio da razoabilidade seria afrontado pela desobediência aos fundamentos do sistema tributário, previdenciário e administrativo na definição e oneração da renda dos que seriam remunerados pelos cofres públicos. Essa limitação constitucional do valor pago a título de remuneração, proventos ou subsídio importaria também limitação ao poder de tributar do Estado, que não poderia exigir tributo sobre valor que não poderia pagar ao particular. Ademais, se o valor líquido das remunerações e subsídios de qualquer servidor pudesse atingir o valor bruto dos subsídios das autoridades, elas deixariam de ocupar os respectivos cargos. A observância das normas constitucionais atinentes aos tetos fixados no sistema remuneratório nacional decorreria da necessidade de o cidadão saber a quem paga e quanto paga a cada qual dos agentes estatais. Por sua vez, a remuneração que eventualmente superasse o teto ou o subteto constitucional não seria necessariamente ilegal, porque as parcelas que a compõem, em geral, estariam pautadas em atos normativos cuja presunção de constitucionalidade não se poria em questão. Por isso, o STF já admitira a possibilidade de recebimento automático de parcelas em decorrência de futura elevação do subsídio de Ministro do STF e dos demais agentes políticos do art. 37, XI, da CF.
Fonte: RE 675.978/SP RG, rel. Min. Cármen Lúcia, 15.4.2015. (RE-675978).