Recém-assinado, o protocolo ICMS 29/14 instituiu o regime de substituição tributária nas operações interestaduais com bebidas alcoólicas (exceto cerveja e chope) destinadas ao Estado do Rio de Janeiro e ao Estado de São Paulo.
Atribuiu-se ao remetente das mercadorias a obrigação de reter e recolher o ICMS relativo a todas as operações subsequentes, incluindo-se a diferença entre a alíquota interna e a interestadual, devida ao Estado em que estiver estabelecido o destinatário. Para esse cálculo, o remetente, além de recolher o ICMS próprio, apura também o ICMS que, supostamente, será devido até o final da cadeia produtiva, quando da venda da mercadoria ao consumidor final, considerando, para isso, uma margem de valor agregado prevista na legislação, a qual deve ter por base o preço final médio de venda da mercadoria.
De fato, a substituição tributária “para frente” é um instituto (declarado constitucional pelo STF no RExt 213.396 e na ADIn 1.851) que facilita a fiscalização tributária, tornando-a mais eficiente. Ao invés de fiscalizar cada estabelecimento que vende bebidas alcoólicas no varejo, basta monitorar o produtor ou distribuidor em que é concentrada grande parte das operações, exigindo apenas dele o recolhimento do imposto sobre toda a cadeia. Justamente por isso, tal instituto tem sido largamente empregado pelos Estados, tornando regra o que antes era exceção.
A despeito dos benefícios para a fiscalização, a substituição tributária também dá azo a verdadeiras injustiças, que retiram a racionalidade do sistema. Uma dessas distorções diz respeito à incompatibilidade desse regime com as cadeias produtivas em que o varejista, de menor porte, está enquadrado no Simples Nacional.
No regime diferenciado do Simples Nacional, o contribuinte que se dedica ao comércio está sujeito a uma alíquota unificada, englobando os principais tributos federais e o ICMS. Essa alíquota varia conforme o total da receita bruta do comerciante em causa nos últimos 12 meses.
Como o percentual do ICMS embutido nessa alíquota é reduzido, o contribuinte enquadrado no Simples Nacional não pode se apropriar do crédito do imposto incidente sobre as mercadorias por ele adquiridas para revenda.
Assim, numa operação não submetida ao regime de substituição tributária, no preço da mercadoria adquirida pelo varejista estão embutidos, tratando-se de bebidas alcoólicas, 25% a título de ICMS. Além desses 25%, o varejista ainda recolherá, a título de ICMS, de 1,25% a 3,95%, dependendo do seu faturamento bruto. Em números hipotéticos, imaginemos um comerciante que adquire mercadorias por R$ 100,00, vende-as por R$ 150,00 e cuja receita anual é de aproximadamente R$ 1 milhão. O valor final do ICMS recolhido na cadeia será R$ 25,00 embutidos no preço de compra, mais R$ 4,23 a título de ICMS do Simples Nacional, totalizando R$ 29,23.
Quando o remetente da mercadoria, na qualidade de substituto tributário, recolhe o ICMS devido por toda a cadeia produtiva, a legislação permite que o varejista segregue suas receitas, de modo a não submeter as mesmas mercadorias à dupla tributação pelo ICMS. Essa fórmula legal, entretanto, é insuficiente para evitar ônus financeiro adicional decorrente da substituição tributária.
Isto porque, por esta sistemática, o remetente recolherá 25% sobre o preço final de venda, ou seja, R$ 37,50. Isso supondo que o valor agregado previsto na legislação seja próximo ao real, que na hipótese é de R$ 150,00. Há, entretanto, um forte movimento de contribuintes questionando as margens adotadas na legislação. No caso de vinhos nacionais, a margem adotada pela legislação é de 72,25%, maior que a do nosso exemplo, o que faz crescer a disparidade.
Essa disparidade é inversamente proporcional ao faturamento bruto do varejista, ou seja, quanto menor o seu faturamento, maior será a diferença entre a incidência tributária com e sem substituição tributária, o que contraria a própria essência do regime especial de recolhimento. Afinal, o Simples Nacional tem por finalidade estimular os pequenos negócios e, ao se ampliar a abrangência da substituição tributária, os maiores prejudicados são justamente os menores empreendedores, que veem sua margem de lucro ser achatada.
Não bastasse isso, a legislação fluminense ainda prevê (art. 36, Livro II, do Regulamento do ICMS) que, quando do ingresso de nova mercadoria no regime de substituição tributária, o varejista deve recolher, instantaneamente, o ICMS devido sobre as futuras operações com essas mercadorias em estoque. Entretanto, como ele tende a ser o último elo da cadeia, a regra representa, na realidade, uma substituição de si mesmo, com o agravante de comprometer o fluxo de caixa da empresa, que arca com um elevado custo antes da venda das mercadorias ao consumidor. Isso sem falar na inadmissível retroatividade que essa regra acarreta.
Não é verdade, portanto, que a substituição tributária representará apenas uma antecipação de recolhimento de imposto. A implementação de tal regra, agora em relação às bebidas alcoólicas, implicará aumento de tributação e, consequentemente, elevação de preços ao consumidor, justo num momento em que a economia enfrenta pressão inflacionária.
Fonte: migalhasdepeso.com