Os centros urbanos são a extensão das pessoas. Não são só prédios e corredores de veículos. São a constatação de que os povos tendem a evitar a dor e o sofrimento e a guiar suas escolhas em busca de prosperidade e felicidade, aspirações ligadas às funções sociais da cidade.
As metrópoles triunfaram. Seiscentas cidades são responsáveis por 60% do PIB global. Hoje, 243 milhões de americanos se aglomeram em 3% do país: a zona urbana. Uma população de 36 milhões de pessoas vive na cidade e no entorno de Tóquio, a região metropolitana mais produtiva do mundo. No centro de Mumbai residem 12 milhões de habitantes e Xangai é quase do mesmo tamanho.
A solução para gerir esses gigantes foi a integração em regiões metropolitanas. O artigo 25, parágrafo 3º da Constituição Federal diz: “Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum”.
Isso é desafiador. Só a Região Metropolitana de São Paulo é a sexta maior área urbana do mundo, onde vivem 19.672.582 habitantes e se concentra mais da metade do PIB estadual e 15,6% do nacional, com uma área territorial maior do que a de muitos países. É constituída por 39 municípios e, em termos proporcionais ao Estado de São Paulo, sua área corresponde a 3,2% do território e abriga aproximadamente 48% de sua população. Comparando-se com a União, seu território corresponde a 0,93% do território nacional e a 10,3% da população total do país.
Daí o urbanista francês Annik Osmont ter dito: “a cidade foi, desde sempre, o instrumento e o produto do desenvolvimento econômico e social”. Não tardaria para que a máquina de arrecadação tributária notasse essa realidade indisfarçável.
Eurico de Santi, no monumental “Kafka, Alienação e Deformidades da Legalidade” (São Paulo: Editora Revista dos Tribunais; Fiscosoft, 2014), aponta uma postura curiosa adotada pelo Fisco federal.
Segundo o estudioso, pelo menos um auto de infração de IPI foi lavrado, em 2012, sob o argumento de haver, por parte do contribuinte, um planejamento tributário desrespeitoso ao artigo 136, inciso I, do Decreto nº 4.544, de 2002, do Regulamento do IPI (RIPI/2002). O dispositivo estabelece como valor tributável mínimo, para fins de recolhimento do IPI incidente sobre operações entre pessoas jurídicas interdependentes, o preço corrente no mercado atacadista da “praça” do remetente.
De acordo com a nova posição do Fisco, contudo, o conceito de “praça comercial” integraria o âmbito geográfico da “Região Metropolitana do Município de São Paulo”, na qual o município sede da empresa industrial estaria.
Eurico de Santi diverge dessa compreensão. Para ele, não haveria razão para o Fisco alterar o conceito de praça comercial. Diante de uma derrota imposta pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que rejeitou o conceito amplo apresentado pelo Fisco anteriormente – “todo o Estado de São Paulo” –, ele agora aponta a “Região Metropolitana do Município de São Paulo” como equivalente à praça comercial. Não é certo agir assim.
“O conceito de praça comercial em conformidade com a interpretação institucional histórica da própria administração tributária era o da mesma localidade, ou seja, da mesma cidade da sede da remetente industrial”, esclarece Eurico.
A caminhada quanto a essa definição, que parecia devidamente estabelecida, está reaberta, mas a posição do estudioso ilumina o caminho. O modo de estabelecimento atual das regiões metropolitanas é uma inovação constitucional de extrema importância, que criou uma instância singular e especial na estrutura organizacional do Estado brasileiro. Não se deve deturpar seus nobres propósitos visando, com isso, incrementar a arrecadação tributária nacional.
Fonte: Valor Econômico