Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no NEF/FGV Direito SP. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.
No último dia 20 de outubro, o Núcleo de Estudos Fiscais da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas contou com a participação de Lucilene Prado como expositora do Workshop Semanal. O texto discutido foi The Economics of Tax Law1 (A Economia no Direito Tributário), do autor Daniel Shaviro.
O artigo traz reflexões sobre eficiência arrecadatória, regressividade, administração e neutralidade tributária e demonstra de forma eficaz a articulação entre Economia e Direito dentro do atual contexto macroeconômico.
No entanto, considerando que o texto reflete a realidade econômica do sistema tributário norte-americano e o autor não apresenta conclusões sobre os questionamentos trazidos, o debate instaurou-se sob a perspectiva dos operadores do Direito e dos investidores brasileiros.
Do ponto de vista da arrecadação tributária no Brasil, muito se questiona se o melhor modelo seria a tributação sobre a renda ou sobre consumo. Hoje verificamos a nítida predileção em termos de política fiscal pela tributação pelo consumo2, especialmente quando nos atentamos ao número de tributos incidentes: IPI, ICMS, ISS e PIS/Cofins.
A escolha das bases tributáveis de um país é importante ferramenta para a definição de sua política fiscal equitativa. Contudo, a dificuldade não está na escolha da tributação sobre a renda auferida ou consumida, mas sim em justificar qual o impacto desta escolha para a sociedade brasileira, qual a resposta econômica vivenciada, se esta lógica atende ou não aos objetivos de justiça distributiva e se viabiliza de fato a poupança e a atração de investimentos.
O sistema tributário brasileiro é marcado pela regressividade, a carga tributária se concentra na tributação sobre o consumo e desconsidera a capacidade contributiva (rendimentos) de quem adquire o bem. No Brasil, quem aufere maior renda suporta menor carga fiscal graças à sua possibilidade de poupar mais e gastar menos.
A título ilustrativo, vamos imaginar que o sujeito “A” recebe por mês 1.000 moedas, tem retenção na fonte de 30%. Sobram 700 moedas para consumo, das quais consome 200 moedas com incidência de 25% de tributos sobre o consumo (50 moedas arredadas em favor do Estado) e investe 500 moedas em fundo de renda fixa com incidência de 10% de imposto (50 moedas arredadas). Isso perfaz um total de 100 moedas de carga tributária para o Estado.
Já um sujeito “B” que recebe por mês 200 moedas, e que portanto está na faixa de isenção do Imposto sobre a Renda, consome a totalidade das suas moedas com incidência de 25% de tributos sobre o consumo e gera para o Estado a arrecadação de 50 moedas.
Constata-se claramente que “B”, embora isento da tributação sobre a renda, foi mais onerado que “A”, visto que comprometeu 25% (50 de 200 moedas) de sua renda enquanto “A” comprometeu apenas 10% da sua renda (100 de 1.000 moedas).
Diante deste cenário, há nítida escolha do governo brasileiro de se tributar o consumo porque a incidência acaba sendo maior do que sobre a renda e a propriedade. Privilegia-se a arrecadação em detrimento da isonomia tributária.
A tributação sobre o consumo agrava a desigualdade social e nos distancia da justiça distributiva. Quando todas as pessoas pagam nominalmente o mesmo imposto sobre o consumo, as famílias menos favorecidas acabam entregando uma porção maior da sua renda ao Estado comparativamente às mais ricas e esta parcela da população não consegue poupar.
A lógica da política econômica e fiscal que privilegia a tributação da renda consumida é estimular o investimento e a poupança e desestimular o consumo exacerbado3. No Brasil, esta máxima não se aplica, pois como não há crescimento econômico nos setores público e privado, o que garante a arrecadação para o Estado é justamente o consumo. Com o desestímulo da poupança há diminuição da capacidade bruta de investimento.
Feitas estas considerações, então por qual motivo o Brasil não privilegia a tributação sobre a renda?
Além do fator de natureza arrecadatória acima mencionado – é mais fácil para as autoridades fiscalizarem o cumprimento de obrigações fiscais na tributação sobre o consumo do que sobre a renda e a propriedade – a preferência pela tributação sobre o consumo está relacionada com o chamado ofuscamento fiscal4.
O contribuinte dificilmente consegue perceber o quanto de sua renda individual ou familiar é consumida por tributos como ICMS ou IPI. Nos países menos desenvolvidos há a tendência de se tributar mais o consumo e menos a renda como forma de se ocultar a arrecadação.
Em contrapartida, nas democracias mais desenvolvidas os contribuintes pagam, consciente e voluntariamente, pois sabem que o dinheiro arrecadado será revertido em prol da coletividade, o que viabiliza uma tributação maior sobre a renda5.
No mais, a instituição de política fiscal para baixar o limite de isenção na tributação da renda auferida seria muito mais visível ao cidadão se comparada com a tributação sobre o consumo e isso poderia repercutir de forma negativa em uma sociedade sem consciência fiscal.
Hoje a tributação sobre a renda no Brasil também apresenta distorções e precisaria ser revista para garantir a igualdade tributária, visto que, por apresentar alíquotas muito restritas, tributa na mesma faixa contribuintes com poder aquisitivo distinto.
Para além de discutirmos a tributação da renda auferida ou consumida, porque no final das contas tudo é renda e direta ou indiretamente será tributado, precisamos refletir como fazer isto de maneira a atingir os mais favorecidos de forma a garantir a real justiça distributiva.
Na linha do exposto por Lucilene, o sistema tributário brasileiro além de complexo e desigual onera demais a produção e os setores de infraestrutura de base, essenciais para as camadas mais baixas da população. É fundamental a construção de políticas públicas prioritárias para, a partir daí, se desenhar o sistema tributário brasileiro. A tributação deve estar à serviço das políticas, e não o contrário.