Carf e o planejamento ilícito nas sociedades em conta de participação

Uma forma de organização empresarial vem sendo reiteradamente autuada pela Receita Federal, como planejamento tributário ilícito. Trata-se da formação de uma Sociedades em Conta de Participação (SCP) entre um hospital, sócio ostensivo, e profissionais de saúde como sócios ocultos. É que, quando o fisco encontra provas que tais profissionais atenderam no hospital, e não apenas ficaram na posição de sócio sem função, aponta que o arranjo foi apenas para evitar contratar os profissionais como prestadores de serviço, passando a receberem lucros isentos em vez de remuneração com incidência de contribuição previdenciária e Imposto sobre a Renda. Neste caso, Turma do Carf manteve a autuação de IR sobre o profissional, por considerar que a verba recebida não era uma isenta distribuição de lucros mas rendimento tributável; assim ementado:

Acórdão 2802-003.065 (publicado em 22.08.2014)
SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO. CONTRIBUIÇÃO VERTIDA PELO SÓCIO PARTICIPANTE. NA FORMA DE SERVIÇOS DIRETOS E PESSOAIS A TERCEIROS. INCOMPATIBILIDADE COM O INSTITUTO.
Não é compatível com a sistemática regente das Sociedade em Conta de Participação, estabelecida nos arts. 991 e seguintes do Código Civil, que a contribuição dos sócios participantes seja realizada na forma de serviços prestados diretamente e de forma pessoal a terceiros.


Integralização de capital
Três mitigações tratando de integralização de capital, feitas pela Receita Federal, tiveram resultados diferentes. Na primeira decisão, Turma do Carf cancelou uma autuação que considerou que uma integralização de capital feita com estoque caracterizaria uma comercialização de produção, portanto sujeita a tributação; assim ementado:

Acórdão 2302-003.339 (publicado em 20.08.2014)
TRANSFERÊNCIA DE ESTOQUE PARA INTEGRALIZAÇÃO DE CAPITAL SOCIAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO RURAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA NO CASO VERTENTE.
A integralização de capital social mediante transferência de estoque, embora constitua alienação, não pode ser equiparada à comercialização de produção própria. Quando o legislador, para responder a estratégias normativas, pretende adjudicar a algum velho termo, novo significado, diverso dos usuais, explicita-o mediante construção formal do seu conceito jurídico-normativo (voto do Ministro Cezar Peluso por ocasião do julgamento do RE 346.084-6). Assim, se pretendesse o legislador dar amplitude maior ao termo “comercialização”, teria utilizado a expressão “alienação” ou teria feito, expressamente, a equivalência daquela a esta. Ausente esta postura do legislador, deve-se tomar o termo em seu sentido vernacular. Se o comércio é “atividade que consiste em trocar, vender ou comprar produtos, mercadorias, valores etc., visando, num sistema de mercados, ao lucro” e comercializar é tornar algo “comerciável ou comercial” ou mesmo “fazer entrar no processo de distribuição comercial; pôr no fluxo do comércio” (dicionário eletrônico Houaiss), uma operação societária não lhe pode equivaler.

Se o objeto social da empresa é comercializar produção rural e não participar em sociedades, a integralização de ações em outra sociedade figura como meio para a realização do objeto social (ato societário) e não o próprio desenvolvimento do objeto social (empresa), razão pela qual a transferência de estoque figurou como um ato societário e não como a própria atividade empresarial. Nesse sentido, estabeleceu o STF que “a incorporação de bens ao capital social é um ato típico, não equiparável a ato de comércio” (Recurso Extraordinário nº 95.905, Relator Ministro Cordeiro Guerra, DJ de 01/10/82).

Na segunda decisão, julgado caso em que a Receita Federal arrastou uma terceira empresa para constar como responsável solidária em uma autuação, em virtude de enxergar, em uma mera integralização de capital, ter ocorrido na verdade uma cisão parcial, o que atrai a responsabilidade legal (artigo 5º, parágrafo 1º, alínea “b” do DL 1.598/77). A Turma do Carf manteve a solidariedade, louvando-se (a) no fato de a terceira que integralizou ter se retirado posteriormente e (b) terem sido vertidos, ao longo do tempo, ativos e passivos, o que seria fatal para caracterizar uma cisão parcial; assim ementado:

Acórdão 3302-002.675 (publicado em 25.08.2014)
TRANSFERÊNCIA DE ATIVOS E PASSIVOS MEDIANTE INTEGRALIZAÇÃO DE QUOTAS. CISÃO PARCIAL.
A integralização de quotas em empresa pré-existente, mediante a versão de parcela do patrimônio, incluindo ativos e passivos, caracteriza a operação de cisão de que trata o artigo 229 e seu parágrafo terceiro da Lei nº 6.404, de 1976.

Na terceira decisão, Turma do Carf manteve uma descaracterização de adiantamento para futuro aumento do capital que passou a ser tratado com verdadeiro mútuo ante o quadro fático do caso; assim ementado:

Acórdão 3301-002.282 (publicado em 26.08.2014)
IOF. RECURSOS CONTABILIZADOS EM ADIANTAMENTO PARA FUTURO AUMENTO DE CAPITAL. EQUIPARAÇÃO A NEGÓCIO DE MÚTUO. POSSIBILIDADE.
Não estando demonstrado que os recursos repassados representavam realmente um pagamento antecipado para aquisição de ações ou quotas de capital (AFAC), o aporte de recursos financeiros efetuados sistematicamente caracterizam-se como uma operação de crédito correspondente a mútuo, nos exatos termos da configuração do fato gerador do IOF, previsto no art. 13 da Lei 9.779/99. A ocorrência de uma operação de crédito, para fins de incidência do IOF, independe da formalização de um contrato de mútuo.


Divergência entre a PGFN e a Receita Federal
Em virtude da salutar publicidade que cerca o agir estatal, pode-se acompanhar a discussão dos órgãos administrativos quanto a temas que interessam aos contribuintes, como vem acontecendo com a chamada habilitação de crédito perante a Receita Federal.

É que, quando um contribuinte obtém uma decisão judicial reconhecendo um indébito tributário, tem cinco anos para executar judicialmente ou restituir/compensar administrativamente tal crédito (Súmula 150 do STF). Todavia, administrativamente a Receita Federal impõe um prévio procedimento de habilitação desse crédito para permitir uma compensação. O problema é que, se essa habilitação for acionada pelo contribuinte perto de completar os cinco anos, poderia restar prescrita a possibilidade de usar o crédito quando viesse a obter a chancela da Receita Federal, notadamente se houver delonga com intimação para prestar informações ou havendo interposição de recurso administrativo.

Ante esse quadro, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), buscando dar um tratamento mais benéfico para a questão, apontou para a Receita Federal a necessidade de não mais exigir a habilitação como condição prévia, mas sim concomitante à compensação. Porém, a Receita Federal, insistindo na metodologia atual, pleiteou uma revisão do posicionamento da PGFN, alegando que não há prejuízo para os contribuintes, pois o Superior Tribunal de Justiça considera que no período de habilitação não correria prescrição (invocando o Decreto 20.910, que todavia não é Lei Complementar, única cabível para tratar de suspensão de prescrição).

Em que pese a obstinação da Receita Federal em defender o procedimento atual, a PGFN manteve a posição inicial, com esta nova manifestação:

Parecer PGFN 1.408/2014 (publicado em 27.08.2014)
A Coordenação-Geral de Tributação da Secretaria da Receita Federal do Brasil (COSIT/RFB) submete à apreciação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a Nota Técnica COSIT 12, de 02 de junho de 2014, reiterando pedido de revisão das conclusões a que chegou o Parecer PGFN/CAT 2093, de 2011, especificamente, pedindo a “suspensão” do entendimento contido no referido opinativo, na parte em que concluiu pela inexistência de fundamento legal para a exigência de procedimento administrativo de habilitação de créditos previamente ao oferecimento de declaração de compensação pelo contribuinte que teve seu indébito tributário reconhecido por decisão judicial transitada em julgado. (…)

7. Permanecendo inconformada com a ratificação de ambos os opinativos da PGFN/CAT, a RFB pede, neste momento, a “suspensão” desse entendimento jurídico, sem fundamento em novos argumentos jurídicos, mas com base em decisões judiciais que utilizariam premissas contrárias ao entendimento até então manifestado pela PGFN/CAT e que representariam, na visão da RFB, panorama jurisprudencial pacífico, mais favorável à Fazenda Nacional e que, por isso, deveria ser levado em consideração para uma alteração dos Pareceres PGFN/CAT citados. (…)

9. Enfim, RFB finaliza sua nova Nota Técnica COSIT 12, de 2014, concluindo que a evolução jurisprudencial legitima e justifica o entendimento constante da IN RFB Nº 900, de 2008, o qual, não obstante tenha sido refutado por esta PGFN/CAT, como resultado de análise requerida pela própria RFB, foi reprisado pela IN RFB 1300, de 2012, restando clara a recalcitrância da RFB em acatar as sugestões do Parecer PGFN/CAT 2093, de 2011. (…)

13. Contudo, o entendimento versado no Parecer PGFN/CAT 2093, de 2011, e ratificado pelo Parecer PGFN/CAT 2370, de 2012, não vai de encontro às normas jurídicas que determinam a vinculação da Administração Pública a decisões judiciais dotadas de efeitos abstratos. Os pareceres mencionados, pelo contrário, vão além da garantia mínima firmada pelo Poder Judiciário.

14. Os Pareceres mencionados desrespeitariam os limites que tais decisões impõem à Administração Pública se manifestassem entendimento jurídico mais desfavorável ou mais prejudicial ao contribuinte que aquele tratamento veiculado ao contribuinte pelas decisões judiciais dotadas de efeitos abstratos.

15. Todavia, os pareceres mencionados veiculam tese jurídica que resultaria em tratamento mais benéfico ao contribuinte em comparação com o tratamento deferido pelas decisões judicias citadas pela consulente. (…)

17.          Em consequência disso, e ainda independentemente da análise que viesse a ser levada a efeito em termos processuais, entendemos que as decisões judiciais citadas não poderiam servir de paradigma para a atuação da Administração, porque, repita-se, elas veiculam um limite, um não fazer, um obstáculo à ação da Administração ou um paradigma daquilo que a Administração não deve fazer. (…)

29.          Na perspectiva em que concluiu o Parecer PGFN/CAT 2093, de 2011, a exigência previa de habilitação de créditos peca justamente por não observar os parâmetros previstos no CTN, no que concerne à contagem dos prazos prescricionais e decadenciais, cujas normas seriam aplicáveis, também, à relação jurídica de indébito tributário. (…)

30. Assim, ainda que admitam a legalidade do processo prévio de habilitação à apresentação da Decomp, tais decisões judiciais não obstam que a consultoria jurídica, no seu papel de assessoramento, ofereça sugestões mais favoráveis ao contribuinte, com o intuito de aprimorar o procedimento administrativo, mormente quando solicitada pela própria Administração Pública para tanto. (…)

34.          Enfim, concluímos que não vislumbramos motivos jurídicos para a suspensão do entendimento previsto no Parecer PGFN/CAT 2093, de 2011, e ratificado pelo Parecer PGFN/CAT 2370, de 2012, sendo a implementação das sugestões ali contidas decisão a ser avaliada pela própria Administração Pública.


Creditamento de PIS/COFINS
A tomada de créditos de PIS/COFINS é um tema que interessa às empresas, como forma de reduzir a carga tributária. Todavia, as situações e os critérios para tal creditamento ainda estão sendo definidos pelas instâncias administrativas, em análise de caso a caso. Nesse sentido, quando se manifesta a Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf, órgão incumbido de resolver as divergências das Turmas baixas, é um passo adiante para dar segurança para os contribuintes, como se vê em duas decisões. Na primeira, estabelecidos os parâmetros para caracterizar um insumo passível de gerar creditamento: (a) tem que se consumir no processo produtivo, não podendo perdurar por vários ciclos, (b) sem necessariamente haver contato com o produto produzido, (c) mas durante a produção, não antes ou após:

Acórdão 9303-002.660 (publicado em 29.08.2014)
COFINS. NÃO CUMULATIVIDADE. CRÉDITOS. INSUMOS.
Este colegiado fixou o entendimento de que a legislação do IPI que define, no âmbito daquele imposto, o que são matérias primas, produtos intermediários e material de embalagem não se presta à definição de insumo no âmbito do PIS e da COFINS não-cumulativos, definição que tampouco deve ser buscada na legislação oriunda do imposto de renda. A corrente majoritária sustenta que insumos são todos os itens, inclusive serviços, consumidos durante o processo produtivo sem a necessidade de contato físico com o produto em elaboração. Mas apenas se enquadra como tal aquilo que se consuma durante a produção e em razão dessa produção. Assim, nada que se consuma antes de iniciado o processo ou depois que ele se tenha acabado é insumo, assim como também não são insumos bens e serviços que beneficiarão a empresa ao longo de vários ciclos produtivos, os quais devem ser depreciados ou amortizados; é a correspondente despesa de depreciação ou amortização, quando expressamente autorizada, que gera direito de crédito.

Na segunda decisão, confirmado que a manutenção de máquinas gera creditamento, desde que não se trate de bens imobilizados:

Acórdão 9303-002.801 (publicado em 29.08.2014)
CRÉDITO. DESPESA. MANUTENÇÃO DE MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS INDUSTRIAIS.
Atendidas as demais condições, as despesas realizadas com manutenção de máquinas e equipamentos, desde que não estejam incluídas no ativo imobilizado, geram direito a crédito do PIS não-cumulativo.


Decisões variadas
No Acórdão 9202-003.295 (publicado em 01.09.2014), Turma da CSRF decidiu que o prazo decadencial para exigir multas por descumprimento de obrigação acessória segue a contagem longa; assim ementado: “no caso de aplicação de multa pelo descumprimento de obrigação acessória não há que se falar em antecipação de pagamento por parte do sujeito passivo. Assim, para fins de contagem do prazo decadencial, há que se aplicar a regra geral contida no art. 173, inciso I do CTN, ou seja, contados do primeiro dia do exercício seguinte ao que o lançamento poderia ter sido efetuado”.

No Acórdão 1801-001.963 (publicado em 28.08.2014), Turma do Carf decidiu que, ainda que um ágio seja dedutível para fins de IRPJ, isso não se estende à CSLL; assim ementado: “a dedutibilidade na CSLL da despesa com a amortização de um ágio não é assegurada em face da ausência de norma que estabeleça a adição dessa rubrica. Na verdade, a despesa com a amortização de um ágio, mesmo dedutível para fins de IRPJ, não é dedutível para a CSLL porque não há previsão legal autorizando-a”.

No Acórdão 3202-001.283 (publicado em 01.09.2014), Turma do Carf decidiu que a DRJ não teria limite temporal para julgar; assim ementado: “o descumprimento do prazo estabelecido no artigo 24 da Lei 11.457/2007 não leva a qualquer impedimento na constituição definitiva do crédito tributário sobrevinda de decisão administrativa proferida em prazo superior a 360 dias”.

 

 

Fonte: Consultor Jurídico

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