Após um julgamento acirrado, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) manteve uma autuação bilionária da Receita Federal à Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). A empresa, segundo o Fisco, teria deixado de pagar Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) relativos aos ganhos reais obtidos com a venda de 40% da mineradora Namisa para um consórcio de investidores chineses e coreanos em 2008. A autuação original foi de aproximadamente R$ 6,3 bilhões. O valor, porém, foi reduzido para cerca de R$ 4 bilhões porque a cobrança da chamada multa qualificada de 150% foi revista para o percentual de 75%.
A decisão, da 1ª Turma da 4ª Câmara da 1ª Seção do Carf, foi proferida por voto de desempate. Dessa decisão ainda cabe recurso no próprio conselho.
Conforme o processo, a empresa teria realizado um planejamento tributário ilícito. Em 2008, a CSN informou ao mercado a venda de 40% do capital da Namisa por US$ 3,12 bilhões, mas na declaração do Imposto de Renda do período informou ter recebido R$ 87,56 milhões a título de receitas relativas a alienações de bens, receitas e investimentos relativos à venda da mineradora.
Segundo o relatório do Fisco, uma auditoria realizada na Namisa demonstrou que, para dissimular a venda e afastar a configuração de ganho de capital para a CSN, foi criada uma empresa veículo que nunca teria existido fisicamente. Essa empresa teria sido usada para transferir R$ 7,4 bilhões das empresas estrangeiras para a CSN.
Do total, R$ 86,56 milhões teriam sido transferidos diretamente da empresa veículo para a CSN pela venda da Namisa. Já R$ 7,28 bilhões teriam sido passados da empresa veículo para a própria Namisa como aporte de capital. No mesmo dia, porém, os R$ 7,28 bilhões teriam sido repassados da Namisa à CSN, como pagamento antecipado pela aquisição futura de minério de ferro. Sem a necessidade de apresentação de garantia ou seguro.
A multa qualificada foi derrubada porque os conselheiros consideraram que não houve intenção de fraude (produção de prova falsa ou ocultação do ocorrido).
A CSN informou que não se manifestará sobre a discussão. No processo, a companhia afirma que houve o fornecimento de minério de ferro e que ocorreu a prestação de serviços de logística. “A fiscalização apurou que simultaneamente ao contrato de compra e venda foram realizados contratos de fornecimento de minério de ferro da CSN à Namisa, que seriam, na verdade, o pagamento pela venda de capital da Namisa e sustentamos isso”, afirma o procurador da Fazenda Nacional Marco Aurélio Marques. “Comprovamos a inexistência do pagamento pelo minério. Ou a CSN teria vendido uma empresa de bilhões por milhões de reais”, diz.
Como a Namisa incorporou a empresa veículo, o Fisco também autuou a empresa. Constatou que, nos três anos seguintes (2009, 2010 2011), a companhia teria reduzido seu lucro real – base de cálculo do IR e CSLL – para amortizar o ágio irregularmente constituído pela empresa veículo. A mesma Turma do Carf julgou o auto de infração aplicado contra a Namisa. Porém, em consequência do julgamento relativo à autuação da CSN, cancelaram o auto de infração.
O ágio – valor pago pela rentabilidade futura da empresa adquirida – seria a outra ponta da operação. Quem compra ou incorpora registra o ágio e pode amortizar esse valor para pagar menos IR e CSLL. “Argumentamos que a empresa veículo, constituída pelos investidores estrangeiros no Brasil, foi criada exclusivamente para a dedução desse ágio”, afirma Marques. Como entenderam que a venda do capital da Namisa realmente ocorreu, e por um valor bilionário, os conselheiros concluíram que essa empresa realmente existiu e aceitou a dedução do ágio.
Na “Rodada de Debates: Grandes Questões em Discussão no Carf”, realizada nesta semana em São Paulo, um dos temas discutidos foi o ágio decorrente de investimentos estrangeiros por meio de empresa veículo. “É comum no mercado que os estrangeiros façam investimentos via empresa veículo brasileira para ter mais segurança jurídica e poder amortizar o ágio”, diz a advogada Karem Jureidini Dias, conselheira do Carf e coordenadora do evento. “Se efetivamente ocorreu a aquisição, entre partes não relacionadas, o uso de empresa veículo é lícito”, afirma.
Fonte: Valor Econômico.