Pagamento de tributo deve afastar quadrilha, dizem advogados

Especialistas da área de Direito Penal Empresarial criticaram a decisão do ministro Celso de Mello que manteve a acusação de formação de quadrilha contra dois empresários denunciados por sonegação fiscal mesmo depois de eles terem pago o débito de forma integral (cerca de R$ 1 milhão). Eles haviam conseguido um Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça apenas quanto aos crimes tributários, já que foi declarada extinta a punibilidade de ambos.

A defesa questionou no STF a manutenção do trâmite processual referente à acusação de quadrilha — segundo a peça acusatória, os denunciados associaram-se de forma criminosa para fraudar a fiscalização tributária entre 2003 e 2004. O ministro Celso de Mello manteve a acusação por entender que o trancamento de Ação Penal sobre crimes tributários não impede o prosseguimento de acusação por formação de quadrilha a réus denunciados por sonegação fiscal.

Para o criminalista Fabio Tofic, o entendimento gera insegurança jurídica, pois pode trazer problemas para os contribuintes que aderiram a programas de parcelamento de débitos tributários. “Desse jeito, todo empresário que sonega imposto de forma reiterada será enquadrado em formação de quadrilha”. Ele diz ainda que além dos réus, o fisco também deverá reclamar desse entendimento. “É a única barganha que o fisco tem”, diz.

Para o advogado, seria necessário algo mais do que apenas a sonegação para que ficasse caracterizada a formação de quadrilha, como uma organização voltada para o cometimento de crimes, ou a criação de empresas de fachada ou voltadas para a lavagem de dinheiro, por exemplo. “Não se consegue extrair do acórdão um fato adicional à supressão do tributo que possa sustentar a formação de quadrilha”, afirma.

A opinião é semelhante à do advogado Jair Jaloreto. Ele entende que a acusação por quadrilha seria cabível apenas se constasse da denúncia a acusação por outros crimes, além da sonegação. “Em crimes societários puros (como os crimes contra a ordem tributária,  cometidos de dentro para fora da empresa) é muito difícil constituir prova da existência de um grupo de pessoas formado com dolo pré ordenado para a prática de crimes. O que há, a rigor, é a coparticipação delituosa, bem diferente da formação de quadrilha”, afirma.

“Se você paga o tributo, dentro dos limites legais, é suspensa ou extinta a punibilidade da Lei 8.137/1990, sobre crimes contra a ordem tributária. Se a formação de quadrilha guardar relação apenas com aquele crime específico, entendo que também cai por terra, pois faltará justa causa para ação penal”, afirma.

O criminalista Rodrigo Dall’Acqua, do Oliveira Lima, Hungria, Dall’Acqua & Furrier Advogados, afirma que a jurisprudência é equivocada, pois cria a figura da “associação criminosa de inocentes”. Diz o advogado: “se ainda não se definiu se houve imposto sonegado, não faz sentido imaginar uma quadrilha sem um crime em perspectiva”.

Na avaliação da advogada Débora Pimentel, do Urquiza, Pimentel e Fonti, o sistema penal tributário brasileiro não possui coerência. ”O delito tipificado no artigo 288 do Código Penal é autônomo, porém, ao se falar em crime de formação de quadrilha com o fim de sonegação de impostos, sem que o tributo tenha sido constituído, não há como se falar na concretização do crime”.

Visão do MP
Para o procurador regional da República Douglas Fischer, da 4ª Região, a acusação por quadrilha deve permanecer mesmo que extinta a punibilidade da sonegação “por uma razão bastante simples: a quadrilha não depende da prática de outros crimes, mas da associação para a prática dos crimes”.

Fischer declara-se contrário à tese de que quem paga consegue afastar a possibilidade de punição. “Entendo que essa posição é absolutamente inconstitucional, pois desprotege integralmente o sistema.” Uma representação assinada por ele deu origem à Ação Direta de Inconstitucionalidade 4273, na qual a Procuradoria-Geral da República questiona no Supremo Tribunal Federal artigos de lei sobre o tema.

A ação, ainda em tramitação, é contrária aos artigos 67 a 69 da Lei 11.941/2009, que alterou a legislação federal sobre débitos tributários e definiu condições para extinguir a pretensão punitiva do estado. “Há estudos claros que demonstram que a arrecadação tributária espontânea diminui em até 62% quando se permite a vigência de regras dessa natureza”, afirma Fischer.

O promotor André Estefam, que atua na assessoria jurídica da Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério Público paulista, considera “natural e cautelosa” a decisão do ministro Celso de Mello. Como o HC não permite uma análise profunda da prova colhida, vale o entendimento de que a quadrilha é um crime autônomo, afirma ele.

Sem conhecer o caso concreto, Estefam avalia que, se deixa de existir o crime contra a ordem tributária, é difícil sustentar a manutenção do crime de quadrilha se um grupo existia apenas para a prática de sonegação fiscal. O promotor diz que também merece ser levada em conta a mudança na redação do Código Penal, em 2013, que substituiu a formação de quadrilha por associação criminosa. Na nova definição legal, os agentes só são enquadrados se tenham se associado com o fim específico de cometer crimes.

Elton Bezerra é repórter da revista Consultor Jurídico.

Felipe Luchete é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico

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