A conservação das provas é obrigação do Estado e sua perda impede o exercício da ampla defesa. Essa foi a tese aplicada pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao anular provas produzidas em interceptações telefônicas e e-mails que foram apagadas pela Polícia Federal.
As provas foram produzidas na operação chamada negócio da China, deflagrada em 2008, para investigar suspeitas de contrabando, sonegação de impostos e lavagem de dinheiro pelo Grupo Casa & Vídeo.
Os ministros analisaram um pedido de Habeas Corpus de dois envolvidos. A defesa alegou falta de acesso dos investigados às provas, devido ao desaparecimento do material obtido por meio da interceptação telemática e de parte dos áudios telefônicos interceptados. Segundo a defesa, os dados foram apagados pela PF, sem que os advogados, o Ministério Público ou o Judiciário os conhecessem ou exercessem qualquer controle ou fiscalização sobre eles.
A defesa apontou a inobservância do procedimento de incidente de inutilização de provas previsto no artigo 9º, parágrafo único, da Lei 9.296/96. Segundo ela, a eliminação dos dados só foi descoberta após insistentes pedidos à Justiça de acesso integral ao material interceptado. Além disso, alegaram que as interceptações violaram o direito a initimade e privacidade dos acusados.
Ao analisar o Habeas Corpus a relatora, ministra Assusete Magalhães (foto), considerou legal a quebra dos sigilos telefônico e telemático, explicando que a intimidade e a privacidade das pessoas não são direitos absolutos. Para a ministra, está demonstrado no processo que a prova cabal do envolvimento dos investigados na suposta trama criminosa não poderia ser obtida por outros meios que não a interceptação de comunicações.
Entretanto, a ministra considerou ilegal a destruição do material obtido a partir das interceptações. Citando o princípio do devido processo legal, a ministra disse que as provas produzidas em interceptações não podem servir apenas aos interesses do órgão acusador e que é imprescindível a preservação de sua integralidade, sem a qual fica inviabilizado o exercício da ampla defesa.
Quanto às interceptações telefônicas, a relatora destacou que a jurisprudência do STJ considera desnecessária a transcrição integral do material interceptado. Contudo, é imprescindível que, pelo menos em meio digital, a prova seja fornecida à parte em sua integralidade, com todos os áudios do período, sem possibilidade de qualquer seleção de trechos pelos policiais executores da medida.
Os impetrantes do Habeas Corpus contestaram a ausência, no DVD entregue à defesa, da integralidade do áudio das escutas e do conteúdo dos e-mails interceptados, mencionados nos relatórios e na representação policial.
O próprio STJ havia assegurado a alguns dos réus o acesso integral aos autos do inquérito. No entanto, parte das provas obtidas a partir da interceptação telemática foi apagada, ainda na Polícia Federal, e o conteúdo dos áudios telefônicos não foi disponibilizado da forma como captado, havendo descontinuidade nas conversas e na sua ordem.
A PF informou à Justiça que, ao contrário do que ocorre com a interceptação telefônica realizada por meio do sistema Guardião, ela não dispõe de equipamentos ou programas voltados à interceptação de e-mails. Por tal motivo, essas informações seriam disponibilizadas e armazenadas diretamente pelos provedores de internet — no caso, a Embratel.
A Embratel, por sua vez, informou que, para cumprir a ordem judicial de interceptação de e-mails, encaminhou à PF diretamente as contas-espelho criadas para a operação, de forma que fossem visualizados pelos policiais. Informou também que não foram mantidas cópias das mensagens, uma vez que a determinação judicial era apenas para desviar qualquer tráfego de dados telemáticos para um e-mail determinado pela autoridade policial.
Assim, esclareceu a PF, o conteúdo monitorado na interceptação telemática obtida através da Embratel “foi irremediavelmente perdido, pois o computador utilizado durante a investigação precisou ser formatado”.
“Como se viu, o material obtido por meio da interceptação telemática, vinculado ao provedor Embratel, foi extraviado, ainda na Polícia Federal, impossibilitando, tanto à defesa quanto à acusação, o acesso ao seu conteúdo”, afirmou a ministra Assusete Magalhães.
Com a decisão, a Turma determinou ao juízo de primeiro grau que retirasse integralmente as provas anuladas do processo e que examinasse a existência de prova ilícita por derivação. Tudo deverá ser excluído da Ação Penal 0810486-27.2009.4.02.5101, em trâmite na 2ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.