Pessoa física que importar mercadoria para o próprio consumo não deve recolher o ICMS. Assim entendeu a 2ª Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública de São Paulo. A decisão segue a tese de que pelo princípio da não-cumulatividade a pessoa física não pode pagar um imposto que não vai ser creditado posteriormente.
A decisão pela não incidência do ICMS abre um precedente diferente do que vem sendo seguido nos tribunais. A maioria das decisões são favoráveis à incidência do imposto já que o artigo 155 da Constituição Federal determina que incide o ICMS sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto. Essa norma foi incluída na Constituição pela Emenda 33/2001.
Acontece que a Súmula 660 do Supremo Tribunal Federal diz que não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto. Norma que não tem sido aplicada pela corte. Foi exatamente essa tese que o advogado Augusto Fauvel, representante do autor da ação, usou.
Segundo ele, a previsão constitucional pela incidência do ICMS fere o direito a não-cumulatividade. Ele defende que pessoa física não paga IPI ou ICMS porque não vende o produto e, sendo assim, não vai ser creditado depois. “Esse precedente pode fazer com que o Judiciário comece a entender pela não incidência do ICMS, assim como aconteceu com o IPI”, afirmou.
No caso, o consumidor comprou um veículo nos Estados Unidos, para uso próprio. Ao trazer o veículo ao Brasil e legalizá-lo foi obrigado a recolher o ICMS. Argumentou que a pessoa, física ou jurídica, que importa bem para seu uso, sem o intuito de venda ou comercialização, que não pratica atos de comércio com habitualidade, não é contribuinte do imposto. E, por isso, está imune à incidência do ICMS. “Qualquer norma jurídica, ainda quando derivada de Emenda Constitucional, que, de maneira direta ou reflexa, atente contra os princípios constitucionais, deve ser repelida, rejeitada. Violar um princípio é atentar contra todo o sistema jurídico nacional, subvertendo valores consagrados e desregulando o equilíbrio institucional do país”, afirmou na inicial.
A relatora, juíza Cristiane Vieira, seguiu o entendimento e afastou a incidência do ICMS sobre a operação. Ela ainda citou decisão do Supremo Tribunal Federal que em 1998 deu nova interpretação ao artigo 155 da Constituição quando decidiu, em Recurso Extraordinário, que a incidência do ICMS sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, não se aplica às operações de importação de bens feitas por pessoa física para uso próprio.
Cláusula pétrea
Tanto o ICMS como o IPI têm a não-cumulatividade como regra garantidora. E, por se tratar de garantia constitucional, só a própria carta poderia excepcioná-la. A explicação é de Felipe Amaral, do escritório Rocha, Marinho e Sales Advogados, que afirma que o tratamento deveria ser o mesmo quanto à tributação de IPI e ICMS sobre importação de mercadoria por pessoa física não contribuinte, já que ela não tem o benefício da não cumulatividade na qualidade de consumidora final.
Em relação à confusão entre a súmula do Supremo e a Constituição Federal, Amaral explica que a norma constitucional fez com que a súmula perdesse seu objeto. Entretanto, defende que não é possível a incidência do ICMS na importação de veículos por pessoa física não contribuinte. “Primeiramente, tem-se a regra da não cumulatividade do ICMS como cláusula pétrea que somente poderia ter sido mitigada pelo Poder Constituinte Originário. Logo, a Emenda Constitucional 33/2001 seria inconstitucional no mérito por suprimir cláusula pétrea”, afirmou.
Entretanto, a incidência do tributo é clara para o advogado Igor Mauler Santiago, sócio do Sacha Calmon — Misabel Derzi Consultores e Advogados. Segundo ele, a norma constitucional só poderia ser questionada se violasse alguma cláusula pétrea. “O que não é o caso do princípio da não-cumulatividade”, afirmou.
Ele defende que a Súmula 660 se refere ao período anterior à Emenda 33/2001 em que o Supremo entendia que a incidência era incabível. A emenda superou esse entendimento e determinou a incidência do imposto. “Se tem a previsão expressa, o entendimento anterior do Supremo não está mais valendo”, concluiu.
Fonte: Conjur