Fornecer às empresas informações técnicas e práticas para a formalização de uma estrutura decompliance independente e autônoma. Este foi o principal objetivo da oficina “Sistemas de Compliance: Mitigação e Prevenção de Risco”, que o Instituto Ethos e a Rede Brasileira do Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) realizou na sexta-feira (1°/11), em São Paulo, com apoio da PricewaterhouseCoopers (PwC), Grupo Libra e Braskem.
Compliance, do verbo inglês to comply, significa cumprir, é o dever de cumprir e fazer cumprir regulamentos internos e externos de aderência voluntária ou impostos às atividades da organização.
A formalização é uma exigência da Lei 12.846/2013, já conhecida como Lei Anticorrupção Empresarial. Propostas dos representantes de mais de 50 empresas que participaram da oficina serão encaminhadas à Controladoria-Geral da União como contribuição à elaboração do decreto regulamentador da lei.
A nova lei não obriga as empresas a estabelecer sistemas preventivos anticorrupção no controle interno de suas atividades. Todavia, seu rigor, agravado pela “responsabilização objetiva”, gera elevados riscos às organizações, impondo a elas a necessidade de se precaverem. Primeiro, no sentido de prevenir a ocorrência de desvios. Segundo, caso eles ocorram, o sistema preventivo servirá de atenuante quanto à aplicação das multas.
A Lei 12.846 prevê, também, que as sanções serão atenuadas se a empresa tiver, comprovadamente, instituído “mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades, e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta”. A competência difusa para aplicação das sanções é uma das maiores preocupações das empresas, porque permite que os administradores públicos (prefeitos, por exemplo) e seus prepostos imponham multas pesadas no contexto político local, caso haja desvios.
Na abertura do evento, o gerente executivo de Políticas Públicas do Instituto Ethos, Caio Magri, ressaltou que a regulamentação delimita “um padrão de integridade para as empresas e se espera a mesma lisura dos governos”. O diretor de Desenvolvimento Sustentável da Braskem, Jorge Soto, disse que a nova lei é “um instrumento importante para o aprimoramento institucional das relações entre as empresas e das empresas com os governos”, ao estabelecer regras que constituem um avanço na aplicação das políticas públicas previstas nos diversos tratados internacionais de combate à corrupção dos quais o Brasil é signatário – com a Organização dos Estados Americanos (OEA), a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a própria ONU.
Para contribuir com o debate, Marina Ferro, coordenadora de Políticas Públicas do Ethos, apresentou um modelo de estruturação de um Programa deCompliance em dez passos, agrupados em quatro disciplinas:
- Cultura de compliance, que deve ser patrocinada pela alta administração da organização; a partir dessa decisão, deve-se estabelecer um Código de Conduta, Políticas e Procedimentos amplamente divulgado aos stakeholders; definem-se também os recursos para a implantação da estrutura decompliance;
- Gestão de riscos, que permite identificar os riscos relativos à corrupção em setores, atividades, processos e pessoas mais vulneráveis na organização; atividades de treinamento e capacitação contínuos para informar aos funcionários o Código de Conduta e a legislação que lhe dá suporte;
- Canais de denúncia e remediação, que devem ser acessíveis para todos, garantidas a confidencialidade e a não retaliação; medidas disciplinares contra os infratores devem ser aplicadas, seja qual for o cargo ou a função;
- Melhoria contínua de compliance, que exige revisão e monitoramento constantes para identificar regras aplicáveis aos produtos e mercados, bem como problemas nos processos internos. Para aprofundar o programa, deve-se promover due diligence de fornecedores, incluindo terceiros com os quais se relacionam, com direito de auditoria. A due diligence também deve ser aplicada antes das aquisições, assim como na integração de empresas.
Os participantes da oficina debateram experiências e relataram diferentes graus de desenvolvimento da cultura de compliance nos diversos setores da economia. Um grupo de executivos concluiu que a complexidade da burocracia no ambiente de negócios estimula a ação de intermediários que vendem facilidades. E, para blindar a empresa – função do compliance –, é necessário engajar desde a alta administração, assegurando que a integridade nos negócios admite até a perda de um contrato e não gera punição quando o colaborador responsável está cumprindo o Código de Conduta da organização.
Representantes do Grupo Libra, da CPFL Energia, da Embraer, da Siemens e da Braskem descreveram a evolução de programas de compliance nessas companhias. Em todos os casos, apresenta-se como desafio permanente a comunicação dessa cultura por diferentes meios a todos os stakeholders. “Hoje se usa o cinto sem pensar na multa, mas porque se estabeleceu uma cultura de segurança para o usuário. Da mesma forma, o compliance não deve ser visto como custo, e sim como investimento, proteção”, comparou Wagner Giovanini, da Siemens.
Cristiano Monteiro Bueno, da CPFL Energia, mostrou que “compliance, governança corporativa e sustentabilidade convergem no repúdio à corrupção”. Pyter Stradiotto, da Embraer, ressaltou que “os grandes problemas jurídicos das empresas são consequência da falta de sistemas de compliance”. Para ele, “compliance não significa apenas cumprimento, mas, acima de tudo, integridade em tudo que se faz e elemento fundamental para a sustentabilidade de uma empresa”.
A responsável pelo Programa Global de Compliance da Braskem, Olga Pontes, comentou que “um sistema de compliance que integra os líderes dos processos de negócio no monitoramento contínuo de indicadores de riscos-chave da companhia permeia e fortalece essa cultura”.
Integrante da força-tarefa do 10° Princípio do Pacto Global da ONU – que engaja as empresas signatárias no combate à corrupção –, Marcos Rossa, do Grupo Libra, disse que “a Lei 12.846 é um passo enorme do Brasil na direção de estabelecer mecanismos de controle dentro das empresas”. Elogiou, também, o processo de consulta à sociedade aberto pela Controladoria-Geral da União (CGU) para fomentar a regulamentação da lei.
No encerramento do evento, a moderadora da mesa, Eliane Kihara, da PwC, assinalou que a aplicação de sistemas de compliance deve ser “um agente de mudanças que transcendam a companhia e impactem a sociedade positivamente, gerando mais produtividade nas empresas e até um PIB maior para o Brasil”.
Fonte: Instituto Ethos