O pequeno furto de guloseimas é fato atípico que atrai o princípio da insignificância. Afinal, o Direito Penal, em atenção também ao principio da fragmentariedade, só deve intervir diante de relevante lesão, ou perigo de lesão, ao bem jurídico tutelado.
Com este entendimento, a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul trancou ação penal que corria na Comarca de Encantado, em que o réu chegou a ficar preso uma semana pelo furto de balas no valor de R$ 14. O relator da decisão, desembargador Francesco Conti, reconheceu a atipicidade da conduta, por ausência de justa causa.
Conforme o relator, medir a extensão do prejuízo para a vítima do delito já oferece um norte para saber se há ou não prejuízo para o Estado. No caso, considerando que o comerciante não teve o seu patrimônio significativamente ameaçado, a conclusão inexorável é de que o Estado não deve intervir.
‘‘Além disso, ainda que se admita a necessidade de se avaliar o desvalor da conduta do apelante, esta, in casu, é inerente ao tipo penal (furto qualificado majorado pelo repouso noturno), não havendo nada de incomum ou peculiar no seu agir’’, arrematou o desembargador. A decisão que concedeu o Habeas Corpus foi tomada no dia 20 de dezembro.
Prisão em flagrante
O autor foi preso logo após ter furtado dois pacotes de balas e um de salgadinhos, no valor total de R$ 14, de um restaurante na comarca de Encantado. Conforme o boletim de ocorrência, o furto foi praticado mediante rompimento de obstáculo.
A juíza de Direito Mariana de Oliveira, da 1ª Vara Judicial da comarca, homologou o auto-de-prisão em flagrante, por entender que a materialidade e os indícios de autoria restaram demonstrados pelo auto-de-apreensão, boletim de ocorrência e pelos depoimentos das testemunhas.
A magistrada escreveu no despacho, lavrado no dia 6 de junho de 2013, que a Certidão de Antecedentes Judiciais mostra que o flagrado é reincidente, registrando condenação por crime da mesma natureza. E que também foi denunciado por embriaguez ao volante e por diversos crimes de furto.
‘‘Ainda assim, denota-se que continua a praticar delitos, conforme comprovam os documentos trazidos com o Inquérito Policial, mostrando personalidade voltada ao crime, indiferença às normas básicas para se viver em sociedade e à ordem jurídica vigente, fazendo-se necessária a prisão preventiva para garantia da ordem pública’’, decidiu.
Em despacho assinado no dia 11 de junho, a juíza negou o pedido de liberdade provisória feito pela defesa do autor. Assim como o Ministério Público, que apresentou a denúncia, a magistrada disse que não se poderia falar em desproporcionalidade da prisão, pela possibilidade deste ser beneficiado com a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. É que as condições constantes nos incisos II (reincidência) e III (conduta social), do artigo 44, do Código Penal, mostram que tal medida não se mostrará suficiente.
Na percepção da juíza, o autor tem a personalidade voltada ao cometimento de ilícitos, notadamente contra o patrimônio. Sendo assim, entendeu que a concessão de alguma das medidas cautelares diversas da prisão, estabelecidas no artigo 319 do Código de Processo Penal, não se mostram suficientes para garantia de ordem pública e aplicação da lei penal.
Habeas Corpus
Inconformada, a defesa entrou com pedido Habeas Corpus no Tribunal de Justiça do estado, sendo o Alvará de Soltura expedido em 13 de junho. Na sessão do dia 24 de julho, o mérito do pedido foi julgado pela 5ª Câmara Criminal que, por maioria, ratificou a liminar.
Conforme entendimento predominante no colegiado, embora o paciente seja reincidente, a eventual pena que lhe seria aplicada se daria em regime menos gravoso que o da constrição cautelar. Além disso, o delito foi consumado sem emprego de violência ou ameaça à pessoa.
‘‘Em se tratando de furto, apenas múltiplas condenações criminais podem caracterizar maior periculosidade do agente a demonstrar que sua soltura possa provocar risco à ordem pública’’, registrou a ementa do acórdão.
Absolvição sumária negada
No curso do processo, o autor foi citado para oferecer resposta escrita à acusação do Ministério Público. O defensor público estadual Evinis da Silveira Talon, em peça assinada dia 4 de novembro, pediu a absolvição sumária do denunciado, por considerar o fato atípico.
Alegou que os bens descritos na peça acusatória, no valor irrisório de R$ 14, foram devolvidos ao seu proprietário, como atesta o teor do auto-de-restituição.
‘‘Com efeito, impõe-se a aplicação do princípio da insignificância, diante da atipicidade material da conduta, considerando-se não apenas o valor insignificante da res furtiva, mas também o fato de ter sido imediatamente restituída’’, escreveu o defensor.
No despacho proferido no dia 13 de novembro, a juíza Mariana de Oliveira afirmou não ter encontrado razões capazes de afastar a conduta lesiva do réu. Isso porque, em que pese o pequeno valor furtado, o réu é ‘‘voltado à prática delitiva’’, o que descumpre os preceitos de aplicação do princípio da insignificância.
‘‘Deste modo, em que pesem os argumentos tecidos pela defesa, observa-se que não se encontram presentes nenhuma das causas elencadas no artigo 397 do Código de Processo Penal, com a redação que lhe foi conferida pela Lei 11.719/08, de forma que inviável se torna a absolvição sumária do acusado’’, afirmou a julgadora.
Foi contra esta decisão que o defensor público entrou com pedido de Habeas Corpus no TJ-RS, pedindo o trancamento da ação penal, esgrimindo os mesmos argumentos.
Fonte: Conjur